domingo, 26 de novembro de 2023

Po.e.mas Sol.tos

  

O QUADRO DO FUTURO


Havemos de ir ao futuro

Havemos de ir ao futuro

e quando lá chegarmos

hão-de estar no sofá os nossos pais

a cuidar dos sonhos que nos deram

Os nossos avós a encher de luzes a árvore de natal

Os nossos filhos, e os filhos deles

espantados e atrevidos como nós

Havemos de ir ao futuro

e quando lá chegarmos

hão-de estar todos juntos numa festa à nossa espera

mesmo os amigos que perdemos no caminho

Hão-de lá estar todos com balões de várias cores, bolo-rei

e ao fundo da sala um cartaz do tamanho da nossa idade

onde se lê: ainda bem que vieram

Havemos de ir juntos ao futuro

ou se não houver boleia para todos ao mesmo tempo

havemos de nos encontrar lá

Havemos de ir ao futuro e, no futuro,

estará finalmente tudo, como dantes.


Filipa Leal

in «Vem à quinta-feira», Assírio & Alvim, 2016



Filipa Leal nasceu no Porto em 1979. Formou-se em Jornalismo na Universidade de Westminster, em Londres, e é Mestre em Estudos Portugueses e Brasileiros pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, onde apresentou a dissertação sobre os “Aspectos do cómico na poesia de Alexandre O’Neill, Adília Lopes e Jorge de Sousa Braga”.
Jornalista cultural, foi editora do suplemento literário do jornal O Primeiro de Janeiro. Colabora assiduamente no ciclo Quintas de Leitura do Teatro do Campo Alegre e tem feito leituras de poesia em diversos locais do país (Serralves, Fundação Eugénio de Andrade, Biblioteca Almeida Garrett, Casa das Artes de Famalicão, Casa Fernando Pessoa, entre outros).
Tem participado em vários encontros internacionais de escritores e é colaboradora permanente da revista Um Café, distribuída nos cafés do Porto. O Bando dos Gambozinos musicou um dos seus poemas, agora disponível no álbum Com Quatro Pedras na Mão. Integra, desde 2004, os Seminários de Tradução Colectiva de Poesia Viva da Fundação da Casa de Mateus.
Publicou lua-polaroid (2003), Talvez os Lírios Compreendam (prefácio de António Mega Ferreira, 2004), A Cidade Líquida e Outras Texturas (2006) e O Problema de Ser Norte (2008).

In Correntes D’Escrita (CM Póvoa do Varzim)

EFEMÉRIDES À MESA

O NATAL JÁ CHEGOU!











quarta-feira, 8 de novembro de 2023

UM CONTO

 




O céu estava cinzento e quase nunca aparecia o sol, mas enquanto não chovia os meninos iam brincar para o jardim.

Um jardim muito grande e bonito, com uma grade pintada de verde toda em volta, de modo que não havia perigo de os automóveis entrarem e atropelaremos meninos que corriam e brincavam à vontade, de muitas maneiras: uns andavam nos baloiços e nos escorregas, outros deitavam pão aos patos do lago, outros metiam os pés por entre as folhas secas e faziam-nas estalar – crac,crac - debaixo das botas, outros corriam de braços abertos atrás dos pombos, que se levantavam e fugiam, também de asas abertas.

Era bom ir ao jardim. E mesmo sem haver sol, os meninos sentiam os pés quentinhos e ficavam com as bochechas encarnadas de tanto correr e saltar.

Uma vez apareceu no jardim uma menina diferente: não tinha bochechas encarnadas, mas uma carinha redonda, castanha, com dois grandes olhos escuros e brilhantes.

- Como te chamas? - perguntaram-lhe.

- Maria. Às vezes chamam-me Maria Castanha .

- Que engraçado... Maria Castanha! Queres brincar?

- Quero.

Foram brincar ao jogo do apanhar. A Maria Castanha corria mais do que todos.

- Quem me apanha? Ninguém me apanha! Ninguém apanha a Maria Castanha!

Ela corria tanto. Corria tanto que nem viu o carrinho do vendedor de castanhas que estava à porta do jardim, e foi de encontro a ele. Pimba! O saco das castanhas caiu e espalhou-as todas à reboleta pelo chão. A Maria Castanha caiu também e ficou sentada no meio das castanhas.

- Ah. Minha atrevida! – gritou o vendedor de castanhas todo zangado.

- Foi sem querer – explicaram os outros meninos.

- Eu ajudo a apanhar tudo. – disse Maria Castanha, de joelhos a apanhar as castanhas caídas.

E os outros ajudaram também. Pronto. Ficaram as castanhas apanhadas num instante.

- Onde estão os teus pais? – perguntou o vendedor de castanhas à Maria Castanha.

- Foram à procura de emprego.

- E tu?

- Vinha à procura de amigos.

- Já encontraste: nós somos teus amigos – disseram os meninos.

- Eu também sou – disse o vendedor de castanhas.

E pôs as mãos nos cabelos da Maria Castanha, que eram frisados e fofinhos como a lã dos carneirinhos novos. Depois, disse:

- Quando os amigos se encontram, é costume fazer uma festa. Vamos fazer uma festa de castanhas. Gostam de castanhas?

- Gostamos! Gostamos! – gritaram os meninos.

- Não sei. Nunca comi castanhas, na minha terra não há. – disse Maria Castanha.

- Pois vais saber como é bom.

E o vendedor deitou castanhas e sal dentro do assador e pô-lo em cima do lume. Dali a pouco as castanhas estalavam… Tau! Tau!

- Ai, são tiros? – assustou-se a Maria Castanha, porque vinha de uma terra onde havia guerra.

-Não tenhas medo. São castanhas a estalar com o calor.

Do assador subiu um fumozinho azul-claro a cheirar bem. E azuis eram agora as castanhas assadas e muito quentes que o vendedor deu à Maria Castanha e aos seus amigos.

- É bom, é. – ria-se Maria Castanha a trincar as castanhas assadas.

- Se me queres ajudar, podes comer castanhas todos os dias. Sabes fazer cartuchos de papel?

A Maria Castanha não sabia mas aprendeu. É ela quem enrola o papel de jornal para fazer os cartuchinhos onde o vendedor mete as castanhas que vende aos fregueses à porta do jardim.

 

António Torrado, A Maria Castanha

  http://www.portaldaliteratura.com/




EFEMÉRIDES À MESA

 S. MARTINHO