sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Discurso de Bob Dylan na entrega do Nobel


A 10 de dezembro foi entregue o Nobel da Literatura a Bob Dylan. Em resultado da impossibilidade da presença do autor, coube a Azita Raji, embaixadora dos Estados Unidos na Suécia, receber o galardão. E ler o discurso de aceitação que Dylan lhe pediu para ler em seu nome e que a seguir transcrevemos.

Boa noite a todos. Estendo as minhas mais calorosas saudações aos membros da Academia Sueca e a todos os distintos convidados hoje aqui presentes.
Lamento não poder comparecer, mas saliento que estou convosco em espírito e que me sinto honrado por receber um prémio tão prestigiado. Nunca imaginei ou antevi alguma vez vir a receber o Prémio Nobel da Literatura. Desde cedo, li e interiorizei os trabalhos de autores que foram dignos desta distinção: Kipling, Shaw, Thomas Mann, Pearl Buck, Albert Camus, Hemingway. Esses gigantes da literatura cujas obras são leccionadas nas escolas, que se encontram presentes em bibliotecas de todo o globo e que são mencionados com reverência sempre me causaram uma forte impressão. O facto de agora me juntar aos nomes de tal lista deixa-me sem palavras.
Ignoro se esses homens e mulheres alguma vez pensaram em serem, eles mesmos, honrados com o Nobel, mas imagino que escrever, em qualquer lugar do mundo, um livro, ou um poema ou um texto dramático poderá albergar, no fundo de si, esse sonho secreto. É possível que se encontre enterrado tão profundamente que nem saibam que lá se encontra.
Se alguém, alguma vez, me tivesse dito que eu tinha hipóteses, por pequenas que fossem, de ganhar o Prémio Nobel, teria que achar que as minhas hipóteses seriam equivalentes às de viajar até à lua. Na verdade, no ano do meu nascimento e ainda durante alguns anos, ninguém no mundo foi considerado suficientemente bom para ganhar este Prémio Nobel. Assim, no mínimo dos mínimos, estou em companhia bastante rara.
Encontrava-me em digressão quando recebi esta notícia surpreendente e tardei mais do que uns meros minutos a processá-la. Comecei a pensar em William Shakespeare, a grande figura literária. Suponho que se considerasse um dramaturgo. Certamente não pensaria estar a escrever literatura. As suas palavras foram escritas para o palco. Com a intenção de serem faladas e não lidas. Quando estava a escrever Hamlet, estou certo de que pensava em várias coisas diferentes: “Quem são os atores certos para estes papéis?”, “Como é que isto deveria ser encenado?”, “Será que quero mesmo que se passe na Dinamarca?”. Sem dúvida que ponderava a sua visão criativa e as suas ambições, mas havia igualmente outras questões mais mundanas a considerar e com que lidar. “Já temos financiamento?”, “Há bons lugares suficientes para os meus patronos?”, “Onde é eu vou arranjar um crânio humano?”. Seria capaz de apostar que a última coisa em que pensava era: “Será que isto é literatura?”
Quando, em jovem, principiei a escrever canções, mesmo quando comecei a ganhar algum renome, as minhas aspirações para essas canções só iam até um certo ponto. Achava que poderiam ser escutadas em cafés ou bares e, mais tarde, talvez em lugares como o Carnegie Hall, o London Palladium. Se sonhasse mesmo alto, talvez imaginasse a gravação de um disco e, depois, ouvir as minhas canções na rádio. Para mim, esse seria o grande prémio. Gravar discos e ouvir as minhas canções na rádio significava que estava chegar a um público vasto e que talvez pudesse continuar a fazer o que decidira fazer.
Bom, há já muito tempo tenho vindo a fazer o que decidi fazer. Gravei dúzias de discos e apresentei-os em milhares de concertos por todo o mundo. Mas são as minhas canções que se encontram no cerne vital de quase tudo o que faço. Parecem ter encontrado um lugar nas vidas de muita gente de muitas culturas diferentes e sinto-me grato por isso.
Há, no entanto, algo de que devo falar. Enquanto artista de palco, toquei diante de 50 mil pessoas e diante de 50 pessoas e posso dizer-vos que é mais difícil tocar para 50 pessoas. 50 mil pessoas formam um corpo singular, não é assim com 50. Cada pessoa possui uma identidade individual e separada, um mundo só seu. Podem ver as coisas com maior clareza. A nossa honestidade, e a forma como se relaciona com a profundidade do nosso talento, é posta à prova. Não posso deixar de pensar até que ponto o Comité Nobel é pequeno.
Mas, tal como Shakespeare, também eu me encontro frequentemente ocupado com a procura da minha criatividade, tendo que lidar com todos os aspetos da vida do dia-a-dia. “Quem são os melhores músicos para estas canções?”, “Será que este é o melhor estúdio para esta gravação?”, “Esta canção está na tonalidade certa?”. Algumas coisas nunca mudam, nem mesmo em 400 anos.
Nunca, mas nunca, tive tempo para me interrogar: “As minhas canções são literatura?”
Assim, agradeço à Academia Sueca por ter usado o seu tempo na consideração dessa interrogação e, enfim, por lhe ter dado uma resposta maravilhosa.

Desejos do melhor para todos,

Bob Dylan

Tradução de Jorge Simões

© The Nobel Foundation 2016

O texto do discurso pode ser publicado livremente, no original ou noutra língua, durante um prazo de duas semanas a contar de 10 de dezembro. A partir daí, deverá ser pedida uma autorização à Fundação Nobel. A menção do copyright deverá surgir em qualquer caso. Se o texto em português, tal como surge acima, for publicado em algum media, dever-se-á incluir o nome do tradutor.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Voz das Línguas arranca na Biblioteca


A primeira eliminatória do concurso de Leitura Voz das Línguas, realizada, no passado dia 30 de novembro, na biblioteca da ESCM, garantiu casa cheia e permitiu apurar os primeiros vencedores para a final.
Eis a lista dos apurados, nas modalidades de Português e de Língua Estrangeira, a quem, desde já , agradecemos a participação e o esforço:

Português - Mafalda Silva, do 7º B
                   Diogo Duarte, do 8º B
                   Catarina Marques, do 9º C
                   Andreia Piçarra, do 10º G
                   Francisca Ferreira Dias, do 11º F
                   Sara Silva, do 12º D

Língua Estrangeira - Diogo Martins, do 7º I
                                  Diogo Duarte, do 8º B
                                  Daniel Pereira, do 9º D
                                  Beatriz Paiva, do 10º G
                                  Ana Fernandes, do 12º A

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Encontro com Hemingway - 2


George Plimpton: Acha que um novo escritor poderia beneficiar com trabalho jornalístico? Até que ponto o ajudou o tempo que trabalhou no Kansas City Star?
Hemingway: No Star tínhamos que aprender a escrever uma simples frase declarativa. Isso é uma ajuda para quem quer que seja. O trabalho jornalístico não prejudica o escritor recém-chegado e poderá constituir um apoio se se retirar a tempo. Este é um dos mais velhos lugares-comuns e peço desculpa por isso. Mas quando faz perguntas velhas e gastas, acaba por receber respostas velhas e gastas.
George Plimpton: Certa vez, escreveu na Transatlantic Review que a única razão para se escrever texto jornalístico era ser-se bem pago. Afirmou: “E quando destruímos as nossas coisas de valor ao escrevermos sobre elas, pretendemos lucrar com isso”. Pensa na escrita como uma espécie de autodestruição?
Hemingway: Não me recordo de alguma vez ter escrito isso. Mas parece-me suficientemente tolo e violento que o tenha dito para evitar enervar-me e fazer uma declaração sensata. Com certeza que não penso na escrita como uma espécie de autodestruição, embora o jornalismo, depois de se chegar a um dado ponto, possa constituir uma autodestruição diária para o escritor sério e criativo.
George Plimpton: Acha que o estímulo intelectual da companhia de outros escritores é importante para um autor?
Hemingway: Sem dúvida.
George Plimpton: Na Paris dos anos vinte tinha alguma sensação de pertença a um grupo com outros escritores e artistas?
Hemingway: Não. Não havia essa sensação. Respeitávamo-nos mutuamente. Respeitava muitos pintores, alguns da minha idade, outros mais velhos – Gris, Picasso, Braque, Monet (que ainda estava vivo nesse tempo) – e uns poucos escritores: Joyce, Ezra, Stein…
George Plimpton: Quando escreve, sucede-lhe ser influenciado pelo que estiver a ler nessa altura?
Hemingway: Não desde o tempo em que Joyce estava a escrever Ulysses. A sua influência não foi direta. Mas naqueles dias em que as palavras nos eram barradas e tínhamos que lutar por cada palavra, a influência do seu trabalho foi o que mudou tudo e tornou possível rompermos com as restrições.
George Plimpton: Pode aprender-se com os escritores? Ainda ontem me contou que Joyce não suportava falar sobre a escrita.
Hemingway: Quando estamos com gente da nossa área, é normal falarmos sobre os livros de outros escritores. Quanto melhores forem esses escritores, menos falarão acerca dos seus próprios livros. Joyce era um excelente escritor e só explicava aquilo que fazia aos idiotas. Outros escritores que ele respeitava seriam capazes de o entender simplesmente através da leitura.
George Plimpton: Nos últimos anos, parece ter evitado a companhia de outros escritores. Porquê?
Hemingway: Isso é uma coisa mais complicada. Quanto mais escrevermos, mais isolados acabamos por ficar. A maioria dos nossos amigos, melhores e mais antigos, morrem. Outros mudam-se. Só raramente os encontramos, mas escrevemos e temos basicamente o mesmo tipo de contacto com eles como nos velhos tempos em que nos encontrávamos em cafés. Trocamos correspondência cómica, por vezes divertidamente obscena e irresponsável, e é quase tão bom como conversar. Mas estamos mais isolados porque é assim que devemos trabalhar e porque o tempo para o fazer é menor e se o desperdiçarmos sentimos que cometemos um pecado para o qual não há perdão.
George Plimpton: E a influência de alguns deles – os seus contemporâneos – no seu trabalho? Qual foi a contribuição de Gertrude Stein, se alguma? Ou de Ezra Pound? Ou de Max Perkins?
Hemingway: Lamento, mas não sou bom nestas homenagens fúnebres. Há médicos-legistas, literários e não-literários, que lidam com essas coisas. A menina Stein escreveu bastante e com considerável inexatidão sobre a sua influência no meu trabalho. Teve que o fazer depois de ter aprendido a escrever diálogos com um livro chamado O Sol Nasce Sempre (Fiesta). Eu gostava muito dela e achei esplêndido que tivesse aprendido a escrever diálogos. Para mim, aprender com os outros, vivos e mortos, não era nada de novo, e não fazia ideia de que a Gertrude se sentiria tão afetada. Ela já escrevia muito bem de outras formas. Ezra era extremamente inteligente quando conhecia uma temática. Este tipo de conversa não o aborrece? Eu acho este tipo de mexerico literário, enquanto lavamos a roupa suja de há trinta e cinco anos, repelente. Teria sido diferente se se tivesse procurado contar toda a verdade. Isso teria algum valor. Aqui, torna-se melhor e mais simples agradecer à Gertrude tudo o que aprendi com ela sobre as relações abstratas das palavras, dizer como gostava dela, reafirmar a minha lealdade a Ezra enquanto grande poeta e amigo leal e salientar que gostava tanto de Max Perkins que nunca consegui aceitar a sua morte. Ele nunca me pediu para alterar nada que tivesse escrito, a não ser retirar algumas palavras que não eram, nesse tempo, publicáveis. Deixavam-se espaços em branco e qualquer um que conhecesse as palavras saberia que estavam lá. Para mim, não era um editor. Era um amigo sábio e um companheiro maravilhoso. Gostava do modo como usava o chapéu e da estranha forma como movimentava os lábios.
George Plimpton: Quem diria serem os seus antepassados literários – aqueles com quem aprendeu mais?
Hemingway: Mark Twain, Flaubert, Stendhal, Bach, Turgenev, Tolstoy, Dostoyevsky, Chekhov, Andrew Marvell, John Donne, Maupassant, o bom velho Kipling, Thoreau, Captain Marryat, Shakespeare, Mozart, Quevedo, Dante, Virgílio, Tintoretto, Jerónimo Bosch, Brueghel, Patinir, Goya, Giotto, Cézanne, Van Gogh, Gauguin, San Juan de la Cruz, Góngora – iria demorar um dia inteiro a lembrar-me de todos. E, então, iria parecer que estava a tentar demonstrar uma erudição que não tinha em vez de me lembrar todos os que influenciaram a minha vida e o meu trabalho. Essa não é uma velha pergunta banal. É uma pergunta muito boa, mas solene e que exige um exame de consciência. Incluí pintores porque aprendo tanto com os pintores como com os escritores. Como? Demoraria mais um dia a explicar. Creio que o que aprendemos com os compositores e com o estudo da harmonia e do contraponto deve ser óbvio.
George Plimpton: Alguma vez chegou a tocar um instrumento?
Hemingway: Tocava violoncelo. A minha mãe deixou-me fora da escola durante um ano para que pudesse aprender música e contraponto. Ela achava-me capaz, mas eu não tinha qualquer talento. Tocávamos música de câmara – vinha alguém de fora para o violino; a minha irmã tocava viola de arco e a minha mãe piano. O violoncelo – tocava-o pior do que toda a gente à face do planeta. Claro que nesse ano também fazia outra coisas.
George Plimpton: Relê os autores da sua lista? Twain, por exemplo?
Hemingway: Temos que pausar durante uns dois ou três anos com o Twain. Lembramo-nos bem demais. Todos os anos leio algum Shakespeare, o Rei Lear sempre. Alegra-me.
George Plimpton: Então, a leitura é um prazer e uma ocupação constante.
Hemingway: Leio sempre – tantos livros quantos houver. Controlo-me para ter sempre que ler. (continua)

Tradução de Jorge Simões