quinta-feira, 31 de março de 2016

Prémio Literário José Luís Peixoto - concorre!


Se tens uma obra poética que gostarias de ver divulgada e completas até 25 anos no último dia de 2016, esta pode ser a tua oportunidade. 
O Município de Ponte de Sôr institui este prémio, cujo vencedor terá direito a mil euros e ainda à publicação da obra, da qual receberá 50 exemplares.
Os trabalhos deverão ter até 20 páginas A4 com espaçamento duplo entre as linhas e tipo de letra Times New Roman, tamanho 12, devendo ser entregues quatro cópias de cada trabalho. Cada concorrente poderá enviar duas obras.
Para que possas agarrar esta oportunidade, lê o Regulamento
Boa sorte!

sábado, 19 de março de 2016

Encontro com Ian McEwan - 1

McEwan em 1979
Apresentamos a partir de hoje, de forma faseada, uma longa e elucidativa entrevista com Ian McEwan, um dos nomes maiores da literatura contemporânea. Adam Begley realizou-a para The Paris Review em sessões que decorreram de 1996 a 2001.

Adam Begley: No teu terceiro romance, A Criança no Tempo (The Child in Time), encontramos os pais do narrador e suspeito que se assemelhem aos teus pais. Até que ponto é este retrato fiel à vida real?
Ian McEwan: Bastante fiel, ainda que um pouco idealizado. Os meus pais tinham um relacionamento difícil sem jamais o terem reconhecido e era difícil narrá-lo enquanto estavam ambos vivos. Eu nasci em 1948, nos subúrbios de Aldershot, uma cidade Vitoriana bastante feia. Nesse tempo, o meu pai estava no exército. Era oriundo de Glasgow e tinha mentido relativamente à idade, em 1933, para poder entrar no exército e escapar ao desemprego que assolava as margens do Clyde.
Ele aparece pela primeira vez em Expiação (Atonement). Quando, em 1940, trabalhava como condutor de motos, foi ferido nas pernas. Fez equipa com outro soldado que tinha sido ferido nos braços e, entre os dois, conseguiram controlar a mota. Passam por Robbie quando vão na estrada para Dunquerque.
David McEwan era muito atraente, tinha uma postura ereta, com algo de perigoso no aspeto. Bebia bastante, era assustador. Era grande defensor do tipo de vida militar e, simultaneamente, adorava-me. Mas as minhas mais antigas recordações são de idílios com a minha mãe, durante a semana, interrompidos, ao fim de semana, pela chegada ruidosa do meu pai, que enchia o nosso bungalow prefabricado com o fumo dos seus cigarros. Não tinha grande jeito para comunicar com crianças. Gostava do pub e da messe dos sargentos. Tanto eu como a minha mãe o temíamos. Ela tinha crescido numa aldeia perto de Aldershot e tinha deixado a escola aos catorze anos para trabalhar como criada de quarto. Mais tarde, viria a trabalhar numa grande loja. Mas, durante a maior parte da sua vida, foi uma dona de casa que, como todas as donas de casa da sua geração, tinha um enorme orgulho na ordem e brilho do lar.
AB: Em A Criança no Tempo, há uma cena em que a mãe está a chorar. Não sabemos exactamente porquê – ficamos apenas com a vaga noção de que algo está errado.
IME: O hábito de beber do meu pai era, por vezes, um problema. E ficava muito por dizer. Em termos emocionais, não era particularmente vivo ou articulado. Mas tratava-me com muito afeto. Quando eu passava nos exames, ele ficava muito orgulhoso – fui o primeiro, na família, a frequentar o ensino superior.
AB: Como é que eras enquanto criança?
IME: Reservado, pálido, sonhador, muito ligado à minha mãe, tímido, aluno mediano. Há algo de mim no Peter de O Sonhador (The Daydreamer). Era reservado e nunca falava em grupos. Preferia as amizades próximas.
AB: Gostaste de ler desde cedo?
IME: Os meus pais queriam que eu tivesse a educação que nunca tinham tido. Não podiam guiar-me para leituras específicas, mas encorajaram-me a ler, o que fiz, de tudo e compulsivamente. Na minha adolescência, já dispunha de melhores indicações. Aos treze anos, lia Iris Murdoch, John Masters, Nicholas Monsarrat, John Steinbeck. The Go-Between, a obra de L. P. Hartley, impressionou-me muito. Lia, também, livros de divulgação científica. Asimov sobre o cérebro, livros da Penguin sobre o sangue, etc. Pensei seriamente seguir Ciências. Aos dezasseis, tive um professor que foi uma grande influência para mim, Neil Clayton, que me encorajou a alargar os meus horizontes de leitura e que tinha o dom de fazer com que parecesse que autores como Herbert, Swift e Coleridge estavam vivos e presentes. Eu pensava em The Wasteland, the T. S. Eliot, como um poema ritmado da idade do jazz, extremamente acessível. Comecei a pensar na literatura como uma espécie de sacerdócio que me aguardava.
Entrei numa das novas universidades, a universidade do Sussex. Havia lá uma noção vívida e radical do que uma pessoa culta deveria ser. Éramos encorajados a ler diferentes temáticas e a pensá-las no contexto histórico. Kafka e Freud, no meu último ano da universidade, impressionaram-me bastante.
AB: O que estudavas na universidade? Que profissão pensavas vir a ter?
IME: Abandonei a ideia do sacerdócio depois do meu primeiro ano. Pensei simplesmente que me estava a formar. Mas comecei a sentir o entusiasmo da escrita. Tal como é normal, o meu desejo de escrever antecedeu qualquer clara noção do que isso implicava. Depois de me ter formado, soube de um novo curso na Universidade de East Anglia, que me permitiria escrever ficção em simultâneo com o trabalho académico. Telefonei-lhes e, surpreendentemente, fui imediatamente encaminhado para o Malcolm Bradbury, que me disse: “Oh, a parte da ficção foi descontinuada porque não houve candidatos.” Era o primeiro ano do programa. E perguntei: “Bom, e se eu me candidatar?” Ao que ele respondeu: “Venha cá falar connosco e ver-se-á”.
Foi um maravilhoso golpe de sorte. Esse ano – 1970 – mudou-me a vida. Escrevia uma short story a cada três ou quatro semanas e encontrava-me com o Malcolm, durante uma meia hora, num pub em Norwich. Mais tarde, conheci o Angus Wilson. Em termos gerais, ambos me encorajavam mas não interferiam nem davam conselhos específicos. Era ideal. Entretanto, esperavam que escrevesse trabalhos sobre o Burroughs, Mailer, Capote, Updike, Roth, Bellow – estes autores foram uma revelação. O romance americano parecia tão vibrante em comparação com o seu congénere britânico da época! Pleno de ambição e energia e uma certa loucura mal oculta… Procurei responder a esta qualidade de uma certa loucura à minha modesta maneira e escrever contra o que me parecia ser a cinzentidão do estilo inglês e das suas temáticas. Procurei situações extremas, narradores perturbados, obscenidade e choque – e tentei enquadrar esses elementos numa prosa cuidada ou disciplinada. Escrevi a maior parte de Primeiro Amor, Últimos Ritos (First Love, Last Rites) durante esse ano.
AB: Como é que essas short stories chegaram do pub à editora?
IME: A Transatlantic Review publicou a minha história em 1971. Mas o editor de longe mais importante no início da minha carreira, e o primeiro a levar-me a sério, foi Ted Solotaroff na New American Review. Começou a publicar as minhas histórias em 1972 e foi um editor muito prestativo e muito percetivo. A Review era uma publicação trimestral em formato de livro de bolso e cada novo número incluía autênticas pérolas de escritores dos quais nunca ouvira falar. Penso nele como uma figura-chave das Letras americanas. Devo-lhe muito. A excitação que um escritor experimenta no início da sua vida literária nunca pode ser efetivamente repetida. Certa vez, Solotaroff incluiu o meu nome na capa, junto com Günter Grass, Susan Sontag e Philip Roth. Eu tinha vinte e três anos e  senti-me um impostor, mas igualmente muito empolgado. Por volta dessa altura, parti na rota dos hippies com dois amigos americanos. Comprámos uma carrinha Volkswagen em Amsterdão e seguimos para Cabul e para o Paquistão. Enquanto viajávamos, era frequente sonhar que estava de novo sob um céu cinzento que não permitia distrações e que escrevia ficção. Depois de seis meses, estava desesperado por voltar ao trabalho. Pouco depois do meu regresso, o Tom Maschler, da Cape, propôs-me publicar uma colecção das minhas histórias. Durante o inverno de 1974, mudei-me de Londres para Norwich. Foi mais ou menos por volta do tempo em que a New Review de Ian Hamilton avançava. Ele faleceu em dezembro de 2001 e todos os que o conhecíamos ainda sentimos a sua perda. A revista também era um ponto de encontro – o escritório oficioso ficava no pub Pillars of Hercules, na Greek Street. O Ian era o presidente diante de um cenário vívido, caótico e movido a álcool. Conheci inúmeros escritores que se tornaram meus amigos para a vida, cujo trabalho acompanhei de perto desde então – James Fenton, Craig Raine, Christopher Reed. Conheci o Martin Amis nessa época, assim como o Julian Barnes, que escrevia uma coluna para a New Review com o pseudónimo Edward Pygge. Todos estávamos à beira de publicar os nossos primeiros livros. Foi, para mim – espécie de rato do campo das letras -, uma excelente entrada numa cena literária metropolitana que parecia extremamente aberta aos recém-chegados. (continua)

Tradução de Jorge Simões