segunda-feira, 23 de novembro de 2020

Dos Nossos Alunos


    Memórias


Nostalgia de infância

Quando olhamos para a nossa infância, vemo-la sempre como um período de inocência, um tempo mais simples. À medida que envelhecemos são-nos impostas cada vez mais e mais responsabilidades. Começamos a preocupar-nos mais com limites, trabalhos, dinheiro, e, por fim, esquecemos as coisas mais simples que antes nos davam pura felicidade. Eu sou uma pessoa que se tenta agarrar a esses momentos breves, pequenos, passageiros, quase esquecidos e, no entanto, alegres e reconfortantes.

Claro que voltar a recriar o que antes existia na inconsciência, uma vez conscientes, é impossível, daí a tal melancolia associada à nostalgia. Mas relembrar momentos felizes dá-nos saudades, e faz-nos apreciar o que antes tínhamos. Eu nunca irei esquecer a minha irmã e o que ela fazia por mim. Um dos momentos do passado que mais prezo até aos dias de hoje foi quando eu tinha pesadelos e a minha irmã me acalmava. Muitas vezes, eu acordava ansiosa na noite. Tinha medo de voltar a adormecer e retornar ao pequeno inferno que a minha mente passava como sonho. A minha irmã levantava-se da cama ao lado da minha e segurava a minha mão com carinho. Eu pedia, como quem pedia socorro, para ela me dizer “aquilo”, ainda com os olhos marejados de lágrimas. Ela, apesar da diferença de idades, obedecia à sua irmã chata e impaciente. Pondo uma mão na minha cabeça e fazendo gestos como se estivesse a levar água à sua testa dizia: “pensamentos maus”. Depois fazia o inverso, “pensamentos bons”, levando a mão dela da sua cabeça à minha. Repetia este pequeno ritual, como uma encantação, uma meia dúzia de vezes. Não importava o quão intenso tivesse sido o pesadelo, ou quão agitada eu acordava. Depois de fazer “aquilo”, eu dormia sempre descansada. Não me remexia, não chorava, não acordava. Passava a noite a sonhar, leve e feliz.

Agora, a minha irmã já não vive comigo, mas não quer dizer que eu não repita para mim esta pequena canção quando preciso. Nunca mais serei criança e voltarei a ter a minha inocência passada, mas posso relembrar estes momentos e sentir-me nostálgica.

 

Mana! Mana!

Não posso dormir!

Eu sinto-me insana!

Eu preciso fugir!

 

Mana, minha mana,

Não tens nada a temer.

Fecha a pestana,

Vais adormecer.

 

Mana! Mana!

Fá-lo, por favor!

O medo ainda emana!

Eu não quero ter dor.

 

Mana, minha mana,

Minha mimalhinha,

Deita-te plana,

A canção minha:

 

 

Pensamentos bons.

Pensamentos maus.

Bons para ti,

Maus para mim.

 

Ouve belos sons,

Param os calhaus,

Sempre aqui

Estarei assim...

 

Mana!  Mana!

Não quero dormir!

Volto a ser insana!

Necessito fugir!

 

Mana, mana...

Porque aqui não estás?

Não me sinto plana,

A mente não tem paz.

 

Ana Sofia Freitas, nº 24, 12ºA





Na minha infância eu era feliz,

Com brincadeiras simples e infantis,

Pois na minha pura e inocente imaginação,

Nenhum objeto era usado em vão.

 

As árvores não eram só para enfeitar,

Muitas vezes eram aviões a pairar no ar,

As bolotas não eram meros frutos

Eram as armas de uma batalha de apenas dez minutos.

 

Ai… Saudade do que vivi

Quando não sabia o que era viver.

Saudade do que perdi,

Quando não sabia o que estava a perder.

 

Na minha infância sentia que não havia limites,

Era capaz de tudo, mas na realidade capaz de nada.

Essa é a razão pela qual se vê esperança

Nos olhos de uma criança.

 

Com a experiência da vida,

Boa ou má,

Perdi a minha inocência,

Mas mantive a minha essência.

 

Diogo Godinho, nº 9, 12ºA



 Descalça

“Não quero calçar-me. Não quero meias, nem sapatos, nem chinelos.” E assim dizia bom dia a quem me quisesse ouvir. Um pedido infantil, uma exigência somente satisfeita nos dias de praia, os meus favoritos. Eram dias especiais.
Já ouvia a resposta da minha mãe antes mesmo de ela falar. “As princesas não andam descalças”. Não me importava, sabia que o consolo vinha a caminho. “Não és uma princesa qualquer”. Eu tinha de sair a alguém, e o meu pai sempre gostou de andar descalço. Dava-se então uma permuta carinhosa, um beijinho por um sorriso mimoso. Parecia-me justo. Miminhos eram o meu ponto fraco.
Manhãs caóticas e corridas até ao carro, tanta preparação para o que devia ser um dia relaxante. Suponho que o processo era metade da diversão.
O caminho para a praia era sempre acompanhado por um CD que ainda sei de cor. Mesmo de joelhos no banco de trás, só conseguia ver o céu. Não me importava, deixava que a música me situasse. Gostava de olhar para coisas bonitas, e adorava a contagem decrescente até à última música.
Sabia que tínhamos chegado quando as bochechas começavam a doer. Um preço justo para cumprimentar a praia com um sorriso, e ela sorria sempre de volta.
Por não ter de perder tempo com coisas inúteis, como descalçar-me, era sempre a primeira a chegar à areia. Lembro-me de querer imediatamente refrescar os pés, agora envoltos num cobertor poroso e quentinho.
Percebi logo que o mar gostava da minha companhia. Afinal, ele ia tentando atravessar a praia ao longo da tarde só para estar mais perto de mim. Talvez ele também quisesse miminhos?
O próximo passo era começar a trabalhar no maior castelo de areia do mundo. Todas as princesas precisam de um castelo.  Não fui bem-sucedida a primeira vez que o tentei fazer sozinha. O mar levou os pedaços outrora castelo. Recorri ao meu consolo, que me disse para não desistir. Não podia, eu era “uma princesa moderna”, conseguia fazer qualquer coisa.
Perfecionista, fiz o castelo perfeito. E era lindo, e era doce, e cheirava a riso. E era mar. Pela primeira vez o mar era doce. Imenso, infinito. As ondas não o podiam levar. Tinha tanto espaço que mais espaço não cabia. Mas eu cabia.
Sempre que fazia um castelo perfeito deixava lá um pouco da minha doçura ingénua. Na altura não sabia da sua preciosidade, nem sabia que era limitada.
O caminho era o mesmo, mas comecei a ver o telhado das casas. E depois comecei a ver pessoas. E depois comecei a ver as ruas, e o céu parecia cada vez mais longe. As ruas não eram tão bonitas como o céu. Se pudesse voltar atrás…
Talvez tivesse recusado calçar-me mais uma vez, só para voltar a sentir o calor do colo.
Talvez tivesse trocado mais beijinhos por sorrisos.
Talvez tivesse tentado reaver o que deixei nos meus castelos perfeitos.
Não me importo. Ainda gosto de olhar para coisas bonitas. Ainda rio, quando esqueço que ria mais alto. Ainda tenho uma réstia de maravilha infantil, e guardo-a com carinho. Já não sou uma princesa, mas ainda ando descalça.
                                                                                                                                                                            =)





Nostalgia da infância

Passo todos os dias de carro pela minha escola primária, mas nunca tinha atentado naquilo em que se havia tornado. Recentemente, ao passar a pé pela rua onde fica a escola, parei e não resisti. Fiquei a olhar para ela durante algum tempo, espreitei para dentro pelo portão, não o da entrada, mas um com umas escadas onde nos costumávamos sentar nos intervalos a fazer jogos ou a rir de piadas inocentes. Já não é uma escola, apenas um espaço abandonado. O portão já não tem cor, costumava ser verde, um verde tão vivo como as risadas que dávamos junto dele. As portas das salas estão despidas de tinta. Um banquinho onde costumávamos lanchar, em tão mau estado que ninguém se atreveria a lá se sentar. As janelas fechadas já não têm os desenhos rupestremente pintados pelas crianças que lá aprendiam, colados aos vidros com a fita-cola que sempre fazia parte do nosso material escolar.

Era uma escola bastante pequena, bastante familiar. Apenas três turmas, duas de 1º ciclo e uma de pré-escolar. Ao pensar, dá uma triste saudade de brincar no recreio, dos concertos que as meninas faziam para a escola inteira, das horas do almoço que passávamos dentro da sala a ver um filme enquanto que lá fora tudo parecia frio e distante, dos espetáculos que fazíamos para os pais, as alegres aulas de música… Mas o que não sai da minha cabeça são as saudades das pessoas que me acompanharam enquanto lá estive. Perdeu-se o contacto. Aqueles que nos viram crescer e que já não sabemos como estão.

E tudo aquilo me parecia tão maior na altura do que parece agora. Tudo tão diferente, tão distante, tão longe desta nova vida. Não que seja nova, mas tão desigual que nem parece a mesma. No entanto é assim, nós crescemos e tudo muda. Mas a árvore… essa continua lá.

 

Flávia Ferra, nº 12, 12ºA


 Nostalgia de infância

 

“Olha a Carochinha...”, dizia a Educadora de Infância a uma menina que se encontrava, todos os dias, à janela. Menina essa que era demasiado inofensiva e apenas desejava que os seus pais passassem pela escola para lhe dizerem um simples “Olá!”.

A escola nunca havia sido o seu lugar favorito e as janelas daquela sala eram o porto seguro da Carochinha. Lá, tudo era mais belo e tudo fazia mais sentido. Viajava no seu mundo de fantasias, deixando-se levar pela sua imaginação, e tentando sempre encontrar respostas para todas as suas questões.

Era na “janela mágica” que teria a oportunidade de ver chegar os seus pais e ver resolvidos todos os seus problemas. Depois de os ver, tudo ficava bem e fazia sentido, tudo parecia melhor e rapidamente se esquecia do lugar onde estava. Os pais da Carochinha não gostavam de a ver triste na hora de partir para os seus trabalhos, mas sabiam que a Carochinha se tornaria forte e muito crescida. Sabiam, também, que na escola ia aprender e escolher a sua profissão preferida.

A Carochinha cresceu e, hoje, já perdeu esses medos.

Enfim, como era bom ser criança...

 

Bruna Lopes, 12ºA

quarta-feira, 4 de novembro de 2020

O CONTO DO MÊS

 

A gaivota que não queria ser 




Era uma vez uma gaivota que gostava de ser pomba.

Dizia ela que as gaivotas não servem para nada, ao passo que as pombas sempre servem para alguma coisa.

— Levam cartas, mensagens, avisos de um lado para o outro — explicava ela às outras gaivotas. — São as pombas ou os pombos-correios.

— Também há quem as cozinhe com ervilhas — interrompeu-a uma gaivota trocista.

— Essa serventia a nós não nos interessa — arrepiaram-se as outras gaivotas, que voaram, alarmadas.

Ficou sozinha a gaivota que queria ser pomba. Servir de cozinhado também não estava nas suas ambições, mas à falta de outro préstimo… E pensou: “Gaivota estufada”, “Gaivota de cabidela”, “Gaivota guisada com batatas”…

Realmente, não lhe soava bem. E menos bem devia saber, porque nunca lhe constara que os humanos, de boca aberta para todos os gostos, tivessem incluído tais receitas nos seus livros de cozinha.

A gaivota que queria ser pomba ficou a olhar o mar. Ia abrir as suas asas para as lançar sobre as ondas, à cata de peixinho para o almoço, quando um estranho torpor lhe tomou o corpo. Deteve-se. Encolheu-se. Tapou a cabeça com uma asa. Aquilo havia de passar.

As outras gaivotas, que há pouco tinham debandado, regressavam à praia, apanhadas pelo mesmo entorpecimento que atingira a gaivota desta história.

Formaram um bando tiritante, rente ao mar. Umas, levantadas numa só pata, outras escondidas numa cova da areia, olhavam as águas esverdinhadas, espumosas, como turistas descontentes com a paisagem.

— Estão as gaivotas em terra — disse uma voz humana, abrindo uma janela, junto à praia. — Vai haver tempestade. Sendo assim, já não me arrisco a ir para o ar.

De facto, quando as gaivotas ficam em terra, os pescadores sabem que o tempo vai mudar. Elas é que dão o sinal. Elas é que sabem. Elas é que pressentem quando a tempestade se aproxima.

“Afinal, sempre tenho alguma utilidade”, pensou a gaivota que queria ser pomba, toda enrolada numa bola de penas, e, daí em diante, preferiu continuar a ser gaivota.

 

António Torrado

adaptado

http://www.historiadodia.pt

 

Po.e.mas Sol.tos

 












NOVEMBRO

A respiração de Novembro verde e fria
Incha os cedros azuis e as trepadeiras
E o vento inquieta com longínquos desastres
A folhagem cerrada das roseiras.

 

                           "Antologia", pág. 203 | Círculo de Poesia Moraes Editores, 3ª. edição, 1975




UM DIA

Um dia, gastos, voltaremos
A viver livres como os animais
E mesmo tão cansados floriremos
Irmãos vivos do mar e dos pinhais.

O vento levará os mil cansaços
Dos gestos agitados irreais
E há-de voltar aos nosso membros lassos
A leve rapidez dos animais.

Só então poderemos caminhar
Através do mistério que se embala
No verde dos pinhais na voz do mar
E em nós germinará a sua fala.

in “Dia do Mar“, 1947

 





Sophia de Mello Breyner Andresen

Nasceu a 06 Novembro 1919
(Porto)

Morreu em 02 Julho 2004
(Lisboa)

Foi uma das mais importantes poetisas portuguesas do século XX. Foi a primeira mulher portuguesa a receber o mais importante galardão literário da língua portuguesa, o Prémio Camões, em 1999.