OS VENCEDORES
De porquês para chorar…
Exaurido,
olhava pela janela e a alma fugia-lhe pelo corpo. Ainda estendeu a mão na
tentativa de a apanhar. Não foi a tempo. As paredes maciças e rugosas
erguiam-se em seu redor, emparedando-o num espaço diminuto e imundo. A pele,
coberta de vergões e outras marcas repugnantes, mal resistia, os pés desnudos
agudizavam o frio, ao qual as calças finas e beges de seu tio, três tamanhos
acima, e a camisa de poliéster que recebera no seu aniversário não faziam
frente. Os tornozelos estavam, agora, praticamente submersos. A água queimava.
Apesar de
a noção do tempo esmorecer quando se deseja a morte, pensava “Nunca mais…”.
Refletia
sobre tudo, recordava, cismava, chorando por si e por todos. A escuridão
propunha isso mesmo. E motivos não lhe faltavam. De porquês para chorar, está o
mundo cheio. A guerra e a fome queriam as lágrimas mais amargas, o conformismo
e o capitalismo engordavam-nas e o temor das vítimas faziam-nas rolar de forma
incontrolável. De quando em vez, o coração desejava palpitar pela bondade
humana, chorar de alegria, por assim dizer – de causas para tal também se faz
um bocadinho o mundo. As lágrimas tinham nestes momentos um sabor mais
adocicado, embora contribuíssem, depois, para a concretização do mesmo fim
trágico. As gargalhadas, as memórias do aroma a pão de ló feito pela avó
faziam-nas brotar, desta vez acompanhadas de um sorriso. O recordar dos
reencontros com o cão após uma prolongada viagem açucaravam-nas. As chuvas de
verão, que andavam de mãos dadas com bonitos e etéreos arco--íris, e a ânsia do
Natal, que chegaria em breve, faziam-nas cair uma a uma, humedecendo-lhe o
rosto de satisfação e nostalgia.
E
finalmente, a saudade. Chorar de saudade não cansava, dava cor às lágrimas,
pintava-as, tinha esse dom. Já a saudade que só se apercebia da ausência fazia
chorar incolor e insípido. Mas a saudade do acordar em casa, com o sol a
fazer-se de convidado por entre as cortinas do quarto, numa manhã de domingo,
ou a saudade de quando escutou aquela música pela primeira vez, ancorada às
opiniões incisivas da irmã, essas, essas sim, coloriam as lágrimas de vivos
tons. Juntavam-se estas às restantes, encharcando o seu franzino físico.
Era com
olhos sempre fitos no mundo, no seu e no de outros, sempre chorando, que
aguardava impaciente, atormentado até, que a maré do seu pranto subisse suficientemente
para que se afogasse. Que o seu choro arrancasse o ar que ainda corria dentro
de si e acabasse com aquela penosa existência.
Seguia
soluçando, ora lacrimejava ora desatava num pranto que envergonharia as
tempestades oceânicas. Todavia esquecera-se da janela. A redonda e gradeada
ventana por onde mirava, com os olhos em água e onde apoiava o seu braço,
ornamentado por uma magnífica bracelete prateada que refletia a lua.
A
brecha iria, eventualmente, quase decerto, impedir o afogamento; desta a água
verteria. Pela janela escorreria a morte e com uma brisa ou com um par de raios
de sol surgiria a esperança, como uma lufada de ar fresco, um alívio, uma
vontade de vida.
Salomé Fernandes, nº20, 12ºE
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