segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

Concurso "Conto à Vista"

 OS VENCEDORES


GRITO NA ESCURIDÃO

Eu vivia numa pequena aldeia em Tukura, na Nigéria. Estávamos em 1597 e eu tinha uma vida simples, mas feliz. Todos os dias eram iguais: ia trabalhar para o campo com o meu pai quando o sol nascia e voltava para casa quando o sol se punha. Jantava o que colhíamos, à luz da fogueira, e adormecia ainda a sentir o calor das suas brasas. Éramos um povo isolado, alheios àquilo que se passava no resto do mundo. Até que, num dia que preferia esquecer, fui arrancado à força do meu lar, de tudo o que eu conhecia, e levado para longe. Uns homens estranhos invadiram a aldeia, apontaram-nos armas à cabeça, pilharam as casas, dizimaram famílias e, quem não foi morto de imediato, foi capturado, como se fosse um animal, acorrentado e açoitado.

Quando recuperei os sentidos, estava num barco, encarcerado juntamente com centenas de pessoas. Estava perto de uma abertura e decidi colocar a cabeça de fora, vislumbrar a minha terra a desaparecer no horizonte. Tentei alcançá-la, mas já estava muito longe. Reparei então num homem, de pé, a observar-nos. Perguntei-lhe onde estava, quem eram eles. No entanto, não obtive resposta, apenas chicotadas. Foi aí que a minha esperança começou a esvair-se juntamente com o meu sangue, que jorrava das feridas provocadas pelo chicote.

Passado o que pareceram meses de fome e tortura, com máscaras de metal que nos impediam de falar, chegámos ao nosso destino, um sítio muito diferente de onde eu vim. O ar era cinzento e tinha um cheiro a desespero e morte. As pessoas carregavam um semblante pesado e mórbido.

 Puseram-me numa casa desconhecida. Era enorme e tinha um jardim esplendoroso. Arrastaram-me à força pela porta de entrada, onde vi uma mulher que devia ter por volta de 23 anos. O seu nome era Suarili e disse-me que aquela era uma família abastada e importante – os Smith. O homem da casa chamava-se Richard, a sua esposa era Joanne e tinham dois filhos: Ciel, o mais velho, de 16 anos, e Rosie, a mais nova, de 9 anos. Já havia uns quantos como eu naquela propriedade, cheios de chagas, com marcas de ferro quente no seu corpo e com sinais evidentes de quem não via uma refeição quente há anos. Percebi então a real severidade do meu destino e vi-me no lugar daquelas pessoas. Não tardaria, tornar-me-ia num deles.

Ciel era o único naquela casa que me via como eu realmente era, uma pessoa simples e honesta e não apenas algo que se encontrava sob o seu controlo. Com o passar do tempo, Ciel e eu começámos a ficar mais próximos e parecia que quanto mais próximos ficávamos, mais os Smith me desprezavam e mais eu sofria, com chicotadas, colares de espinhos colocados no meu pescoço, e até me chegaram a pendurar no porão da casa pelos braços, a noite inteira. Numa dessas noites, fui tão violentamente espancado, que desmaiei. Acordei com Ciel a limpar-me as feridas com um pequeno balde de água morna e uns pedaços de pano. Foi aí que ele realmente percebeu o quão horrível era aquilo que a sua família nos fazia. Tentou questionar os pais sobre a situação, mas estes apenas lhe disseram que pessoas como eu eram impuras, com uma cor desagradável aos olhos bons de Deus. Contudo, o meu amigo não via o mesmo que os pais, apenas uma injustiça cometida com pessoas que eram iguais a ele.

Depois de perceber que não conseguiria ir contra a vontade dos pais, decidiu então tentar ajudar-me a escapar. Elaborámos um plano: ele iria abrir-me a porta das traseiras quando estivessem todos a dormir e eu correria, sem olhar para trás, até encontrar alguma forma de sair daquele terrível lugar. Pusemos o plano em prática nessa mesma noite. Quando estávamos prestes a abrir o portão que me levaria à liberdade, ouvimos um grito ensurdecedor vindo da casa.  Vimos uma luz na janela do quarto de Ciel e concluímos que os pais dele se tinham apercebido da sua falta. Não tardou até sermos capturados e separados. Ciel protestou e esperneou, porém eu aceitei o que me iria acontecer. Já tinha cometido demasiados erros e o castigo seria permanente. Encostaram-me contra uma parede e vendaram-me os olhos. Apesar de não conseguir ver nada, sentia o olhar de Ciel sobre mim, conseguia ouvir o seu choro e queixas. Foi nesse momento que percebi que não havia mais nada a fazer, a pouca esperança que me restava desapareceu. Subitamente, ouviu-se um estrondo e eu caí para o chão. A última imagem que passou pela minha mente antes de esta se apagar por completo foi a de Ciel, a sorrir para mim. Apesar de não ter conseguido escapar daquele pesadelo, senti-me grato pelo meu amigo, que realmente tentou ajudar-me. 

Eu, Akin, depois disto, descanso em paz, dececionado com a injusta escravatura do nosso mundo, mas aliviado, por finalmente me ter libertado.


                                     11ºC – Andreia Neves,nº1; Catarina Inácio, nº3; Sara Oliveira, nº 19


Sem comentários:

Enviar um comentário