sábado, 24 de janeiro de 2015

Escritor do mês: Cesário Verde


Filho de pai lavrador e comerciante, Cesário Verde nasceu em Lisboa em 1855 e faleceu no Lumiar em 1886, ainda muito jovem, vítima da tuberculose que o acometeu a partir de 1877, doença para a qual já perdera um irmão e uma irmã. 
Na sua poesia, Cesário fez uso de técnicas impressionistas, retratando sobretudo a cidade (fonte de todos os males, doenças e vícios) e o campo (local de pureza, de claridade, de vitalidade e beleza), tendo-se expressado de um modo imagístico e natural, evitando, assim, as armadilhas do lirismo tradicional. Pode afirmar-se que Cesário foi um percursor do que viria a ser a nossa arte poética no século XX.
Incompreendido no seu tempo, defensor das classes trabalhadoras (ele, que era um burguês) não chegou a ver publicada a sua poesia (aliás, rejeitada várias vezes pelas publicações da época, facto de que chega a queixar-se na sua obra), a qual foi reunida e editada pelo seu grande amigo Silva Pinto, que conhecera durante os poucos meses durante os quais frequentou o Curso Superior de Letras. O Livro de Cesário Verde, assim ficou conhecida a compilação da sua poesia, foi publicado apenas em 1901, quinze anos após a o derradeiro adeus do poeta.
Os seus poemas são, frequentemente, longos e muito detalhados, pelo que optamos por publicar o poema Vaidosa, no qual retrata a mulher citadina, fria e sem sentimentos, por oposição à mulher simples, pura e alegre do campo...

Dizem que tu és pura como um lírio
E mais fria e insensível que o granito,
E que eu que passo aí por favorito
Vivo louco de dor e de martírio.

Contam que tens um modo altivo e sério,
Que és muito desdenhosa e presumida,
E que o maior prazer da tua vida,
Seria acompanhar-me ao cemitério.

Chamam-te a bela imperatriz das fátuas,
A déspota, a fatal, o figurino,
E afirmam que és um molde alabastrino,
E não tens coração como as estátuas.

E narram o cruel martirológio
Dos que são teus, ó corpo sem defeito,
E julgam que é monótono o teu peito
Como o bater cadente dum relógio.

Porém, eu sei que tu, que como um ópio
Me matas, me desvairas e adormeces,
És tão loira e doirada como as messes,
E possuis muito amor... muito amor próprio.

E não resistimos a acrescentar um pequeno poema de Alberto Caeiro, um dos principais heterónimos de Fernando Pessoa, precisamente denominado Cesário Verde. Nessa homenagem, Caeiro recorda o poeta como alguém que foi infeliz na cidade e teria sido feliz no campo. Bonito...

Ao entardecer, debruçado pela janela,
E sabendo de soslaio que há campos em frente,
Leio até me arderem os olhos
O Livro de Cesário Verde.

Que pena que tenho dele! Ele era um camponês
Que andava preso em liberdade pela cidade.
Mas o modo como olhava para as casas,
E o modo como reparava nas ruas,
E a maneira como dava pelas cousas,
É o de quem olha para árvores,
E de quem desce os olhos pela estrada por onde vai
andando
E anda a reparar nas flores que há pelos campos...

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