sábado, 29 de novembro de 2014

Escritor do mês: Teófilo Braga


Teófilo Braga, nascido em Ponta Delgada, nos Açores, a 24 de fevereiro de 1843, e falecido em Lisboa a 28 de janeiro de 1924, foi um dos mais profícuos escritores e ensaístas da história da nossa literatura. Licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra, lecionou literatura no Curso Superior de Letras (atual Faculdade de Letras de Lisboa) e foi presidente da república interino entre 29 de maio e 4 de agosto de 1915, período durante o qual foi vítima de um atentado que o levou ao hospital. Abandonou a política uma vez findo o seu mandato. Ocasionalmente jornalista e tradutor, consagrou-se fundamentalmente nas áreas da etnografia, poesia, ficção e filosofia. A sua obra conta com quatro livros de poesia, dois de ficção, catorze ensaios e oito antologias e recolhas. Tendo a sua atividade no âmbito da etnografia ficado sobejamente conhecida, publicamos seguidamente um dos contos populares que recolheu e fez editar, o conhecido Caldo de Pedra:

Um frade andava ao peditório; chegou à porta de um lavrador, mas não lhe quiseram aí dar
nada. O frade estava a cair com fome, e disse:
– Vou ver se faço um caldinho de pedra. E pegou numa pedra do chão, sacudiu-lhe a terra e pôs-se a olhar para ela para ver se era boa para fazer um caldo. A gente da casa pôs-se a rir do frade e daquela lembrança. Diz o frade:
– Então nunca comeram caldo de pedra? Só lhes digo que é uma coisa muito boa.
Responderam-lhe:
– Sempre queremos ver isso.
Foi o que o frade quis ouvir. Depois de ter lavado a pedra, disse:
– Se me emprestassem aí um pucarinho.
Deram-lhe uma panela de barro. Ele encheu-a de água e deitou-lhe a pedra dentro.
– Agora se me deixassem estar a panelinha aí ao pé das brasas.
Deixaram. Assim que a panela começou a chiar, disse ele:
– Com um bocadinho de unto é que o caldo ficava de primor.
Foram-lhe buscar um pedaço de unto. Ferveu, ferveu, e a gente da casa pasmada para o que via. Diz o frade, provando o caldo:
– Está um bocadinho insosso; bem precisa de uma pedrinha de sal.
Também lhe deram o sal. Temperou, provou, e disse:
-Agora é que com uns olhinhos de couve ficava que os anjos o comeriam.
A dona da casa foi à horta e trouxe-lhe duas couves tenras. O frade limpou-as, e ripou-as com os dedos deitando as folhas na panela.
Quando os olhos já estavam aferventados disse o frade:
– Ai, um naquinho de chouriço é que lhe dava uma graça...
Trouxeram-lhe um pedaço de chouriço; ele botou-o à panela, e enquanto se cozia, tirou do
alforge pão, e arranjou-se para comer com vagar. O caldo cheirava que era um regalo. Comeu e lambeu o beiço; depois de despejada a panela ficou a pedra no fundo; a gente da casa, que
estava com os olhos nele, perguntou-lhe:
– Ó senhor frade, então a pedra?
Respondeu o frade:
– A pedra lavo-a e levo-a comigo para outra vez.
E assim comeu onde não lhe queriam dar nada.


Sem comentários:

Enviar um comentário