Teófilo Braga, nascido em Ponta Delgada, nos Açores, a 24 de fevereiro de 1843, e falecido em Lisboa a 28 de janeiro de 1924, foi um dos mais profícuos escritores e ensaístas da história da nossa literatura. Licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra, lecionou literatura no Curso Superior de Letras (atual Faculdade de Letras de Lisboa) e foi presidente da república interino entre 29 de maio e 4 de agosto de 1915, período durante o qual foi vítima de um atentado que o levou ao hospital. Abandonou a política uma vez findo o seu mandato. Ocasionalmente jornalista e tradutor, consagrou-se fundamentalmente nas áreas da etnografia, poesia, ficção e filosofia. A sua obra conta com quatro livros de poesia, dois de ficção, catorze ensaios e oito antologias e recolhas. Tendo a sua atividade no âmbito da etnografia ficado sobejamente conhecida, publicamos seguidamente um dos contos populares que recolheu e fez editar, o conhecido Caldo de Pedra:
Um
frade andava ao peditório; chegou à porta de um lavrador, mas não lhe quiseram
aí dar
nada.
O frade estava a cair com fome, e disse:
–
Vou ver se faço um caldinho de pedra. E pegou numa pedra do chão, sacudiu-lhe a
terra e pôs-se
a olhar para ela para ver se era boa para fazer um caldo. A gente da casa
pôs-se a rir do
frade e daquela lembrança. Diz o frade:
–
Então nunca comeram caldo de pedra? Só lhes digo que é uma coisa muito boa.
Responderam-lhe:
–
Sempre queremos ver isso.
Foi
o que o frade quis ouvir. Depois de ter lavado a pedra, disse:
–
Se me emprestassem aí um pucarinho.
Deram-lhe
uma panela de barro. Ele encheu-a de água e deitou-lhe a pedra dentro.
–
Agora se me deixassem estar a panelinha aí ao pé das brasas.
Deixaram.
Assim que a panela começou a chiar, disse ele:
–
Com um bocadinho de unto é que o caldo ficava de primor.
Foram-lhe
buscar um pedaço de unto. Ferveu, ferveu, e a gente da casa pasmada para o que via.
Diz o frade, provando o caldo:
–
Está um bocadinho insosso; bem precisa de uma pedrinha de sal.
Também
lhe deram o sal. Temperou, provou, e disse:
-Agora
é que com uns olhinhos de couve ficava que os anjos o comeriam.
A
dona da casa foi à horta e trouxe-lhe duas couves tenras. O frade limpou-as, e
ripou-as com os
dedos deitando as folhas na panela.
Quando
os olhos já estavam aferventados disse o frade:
–
Ai, um naquinho de chouriço é que lhe dava uma graça...
Trouxeram-lhe
um pedaço de chouriço; ele botou-o à panela, e enquanto se cozia, tirou do
alforge
pão, e arranjou-se para comer com vagar. O caldo cheirava que era um regalo. Comeu e
lambeu o beiço; depois de despejada a panela ficou a pedra no fundo; a gente da
casa, que
estava
com os olhos nele, perguntou-lhe:
–
Ó senhor frade, então a pedra?
Respondeu
o frade:
–
A pedra lavo-a e levo-a comigo para outra vez.
E
assim comeu onde não lhe queriam dar nada.
Sem comentários:
Enviar um comentário