Publicamos hoje uma entrevista com o escritor franco-libanês Amin Maalouf, membro da Academia Francesa e autor de oito romances (o último dos quais não foi publicado pelo nosso triste panorama editorial), cinco ensaios, incluindo o celebrado As Cruzadas Vistas pelos Árabes, e quatro libretos de ópera. A entrevista foi realizada por Julien Burri para L´Hebdo, em setembro de 2012.
Não é todos os dias que temos a sorte de nos encontrarmos com um
"imortal". Mas mesmo após a sua entrada na Academia Francesa, Amin
Maalouf sabe pôr-nos à vontade. Tímido, reservado, encantador e dono de um
grande sentido de humor, é simultaneamente leve e solene. A sua eleição (para a
Academia) recompensa uma obra que não para de insistir que a concórdia entre os
povos é possível e de recordar um tempo em que a coabitação não era uma palavra
vã. Assim, escreveu Amin Maalouf em Origens, "há pouco mais de cem anos,
os cristão do Líbano consideravam-se naturalmente sírios, os sírios procuravam
um rei para os lados de Meca, os judeus da Terra Santa diziam-se
palestinianos... e o meu avô Boutros considerava-se um cidadão otomano."
Munido de paciência, o escritor deita abaixo "o muro do ódio" erigido
"entre europeus e africanos, entre o ocidente e o Islão, entre judeus e
árabes". Pretende dar a volta à história, a qual nos empurra para o
confronto. Em 2012, Os Desorientados assinala o seu grande regresso à ficção.
Adam, o herói deste romance, regressa ao seu país de origem depois de um quarto
de século de exílio (um país que não é nomeado, mas que adivinhamos tratar-se
do Líbano). Um dos seus amigos está às portas da morte e deseja revê-lo. Adam
regressa à cidade onde estudou e revê todos os que conheceu e amou.
Recusa a falência dos ideais da sua juventude e exclama: "Sou eu que estou
certo e a História que se engana."
Julien Burri: Podemos ler uma narrativa da sua própria história nos
bastidores de Os Desorientados?
Amin Maalouf: Há já muito que queria evocar, de algum modo, a minha
juventude. Simultaneamente, não sou um autor que goste de contar a sua vida. Já
falei da minha família (em O Rochedo de Tanios, Escalas do Levante ou Origens).
No entanto, nunca tinha falado dos meus anos na universidade. Não tinha ainda
encontrado o tom certo. Nada que me preocupasse, já que sei que os livros têm
que amadurecer. Por fim, nasceu uma história, que não é a minha, mas que é
inteiramente feita de histórias minhas.
Julien Burri: Trata-se, no fundo, de um livro pessimista. O nosso mundo
seguiu um rumo negativo. É isso que explicava no seu mais recente ensaio, O
Desarranjo do Mundo, publicado em 2009.
Amin Maalouf: O mundo com o qual as minhas personagens tinham sonhado não
corresponde de todo àquilo em que o mundo se transformou. Daí o título deste
livro, Os Desorientados, com a dupla ideia de distanciação e de Oriente
perdido. As minhas personagens já não sabem onde ir nem onde se encontram.
Sentem-se deslocadas no seu país mas sentem-lhe a falta quando estão ausentes.
Sentem que a História seguiu uma direção errada. Eles sonhavam com a harmonia,
com menos tensões identitárias. Nada aconteceu como previam. Alguns
comprometeram-se enquanto outros preferiram fugir. Outros ainda,
radicalizaram-se.
Julien Burri: Mas alguma vez o mundo foi tão harmonioso como afirma? Não
houve sempre conflitos identitários?
Amin Maalouf: O mundo nunca foi harmonioso. Mas o que é grave atualmente é
esta inadequação entre a evolução tecnológica, científica e económica que
conhecemos por um lado e a evolução das mentalidades do outro, que não avançam e
têm mesmo, por vezes, tendência a regredir. A coexistência era mais fácil há
vinte anos do que atualmente em muitas sociedades por todo o mundo. Muitas
cidades onde as pessoas se encontravam foram destruídas e muitos modelos de
coexistência falharam. Na Europa, a Dinamarca ou os Países Baixos eram
admiráveis pela sua abertura aos outros. Atualmente, os outros são olhados com
desconfiança. A culpa é partilhada. Há razões objetivas que o explicam, tensões
no mundo árabe que alimentam as teses de rejeição. Mas há também uma tendência
para rejeitar o emigrado, tornando-o culpado por tudo. Não é necessário ser
angélico, nem pessimista, mas sim reconhecer que a diversidade é, numa
sociedade, fonte de riquezas, assim como de tensões.
Julien Burri: Porque escolheu, desta vez, escrever um romance e não um
ensaio?
Amin Maalouf: No fundo do meu ser, estou convencido de que o romance contém
mais verdade do que a verdade histórica. Por exemplo, foram escritos inúmeros
ensaios sobre as campanhas napoleónicas na Rússia. Um só foi e continuará a ser
lido e trata-se de um romance: Guerra e Paz. No momento presente, as primaveras
árabes merecem o seu Guerra e Paz. Um romance capaz de conter em si, mais do
que seria possível num ensaio, a verdade da nossa época.
Julien Burri: Apesar de tudo, Os Desorientados não é um livro sombrio. É
igualmente divertido e sensual. Tocante. Assim, Adam, a sua personagem, amou
uma mulher sem nunca ter sido capaz de lho dizer.
Amin Maalouf: Faz-me pensar nos meus primeiros amores, mas o que conto no
livro não é exatamente o que aconteceu! Vou-lhe contar tudo, mas tem que
ficar entre nós... (sorriso) Quando eu tinha 17 anos, tinha uma vizinha muito
bonita que era seis meses mais nova do que eu. Os pais dela não a deixavam sair
exceto se eu a acompanhasse. Diziam: "Se o Amin estiver presente, vai
tomar conta de ti e nada te vai acontecer" . Quando a convidavam para
algum lado, eu ia com ela para os sossegar. Eu gostava dela, mas a situação
inibia-me, não podia portar-me como um malandro! Tudo isso durou uns três ou
quatro anos. Vinte anos mais tarde, reencontrámo-nos. Os nossos caminhos
tinham divergido e ambos éramos casados. Quis-lhe confessar tudo, mas
não conseguia. Por fim, foi ela que me disse: "De cada vez que me
acompanhavas, eu pensava: vai-me beijar! Mas porque é que não o
fizeste?" Fui um idiota, é verdade! Na vida, não pude fazer as
coisas de outro modo e, então, capturei-me no romance. Em Os Desorientados este
episódio tem um desfecho completamente diferente.
Julien Burri: Como viveu a sua entrada na Academia Francesa?
Amin Maalouf: Como uma sorte e como um desafio. Foi simultaneamente um
momento muito tocante e também um pouco difícil. Fui eleito a 23 de junho de
2011 e só entrei a 14 de junho de 2012. Os preparativos demoraram. Foi
necessário preparar o vestuário, a espada e o discurso em que homenageei Claude
Lévi-Strauss, que ocupava a minha cadeira antes de mim. Falar em público nunca
será uma coisa banal e que eu possa abordar com serenidade.
Julien Burri: A sua família foi forçada a abandonar diversas casas, em
Istambul e, mais tarde, no Cairo. Você mesmo teve que abandonar o Líbano. Desta
feita, parece ter enfim encontrado um porto seguro.
Amin Maalouf: Sei, quando entro neste sítio, que aqui permanecerei até ao
fim dos meus dias. E que continuarei a conviver com estas pessoas, todas as
semanas e até ao fim da minha vida. É uma forma de pertença muito rara e que nunca
experienciei antes. Não podemos pedir a demissão da Academia! Quando morrermos,
alguém fará o nosso elogio fúnebre e alguém tomará o nosso lugar.
Julien Burri: É um local muito simbólico para a língua francesa, essa “língua
da sombra” que preferiu ao árabe quando começou a escrever.
Amin Maalouf: Não estava muito familiarizado com o francês, não o falava na
casa dos meus pais. A minha língua social era o árabe. A língua das minhas
leituras e dos meus diários era o francês. Tudo mudou quando me exilei. E isso
permite-me uma perspetiva particular da língua, visto que nada é inato. Mas vou
confidenciar-lhe uma coisa: não me sinto muito à vontade quando falo francês,
tenho receio de me enganar! Ao passo que, na escrita, tenho tempo para fazer
correções.
Julien Burri: O que significa o seu nome em árabe?
Amin Maalouf: Amin
significa fiel. « O guardião
do segredo ». Era também o nome do meu avô maternal, que vinha do Egito e
pertencia a uma família anglófona e protestante. Casou com uma mulher de
Istambul, Virginie, que tinha crescido numa família de tradição francófona e
católica. A minha mãe era a filha mais velha do casal. Como tinha uma ligação
muito forte ao pai, quis dar o mesmo nome ao seu primeiro filho.
Tradução de Jorge Simões
Tradução de Jorge Simões
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