quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Encontro com Amin Maalouf

Publicamos hoje uma entrevista com o escritor franco-libanês Amin Maalouf, membro da Academia Francesa e autor de oito romances (o último dos quais não foi publicado pelo nosso triste panorama editorial), cinco ensaios, incluindo o celebrado As Cruzadas Vistas pelos Árabes, e quatro libretos de ópera. A entrevista foi realizada por Julien Burri para L´Hebdo, em setembro de 2012.


Não é todos os dias que temos a sorte de nos encontrarmos com um "imortal". Mas mesmo após a sua entrada na Academia Francesa, Amin Maalouf sabe pôr-nos à vontade. Tímido, reservado, encantador e dono de um grande sentido de humor, é simultaneamente leve e solene. A sua eleição (para a Academia) recompensa uma obra que não para de insistir que a concórdia entre os povos é possível e de recordar um tempo em que a coabitação não era uma palavra vã. Assim, escreveu Amin Maalouf em Origens, "há pouco mais de cem anos, os cristão do Líbano consideravam-se naturalmente sírios, os sírios procuravam um rei para os lados de Meca, os judeus da Terra Santa diziam-se palestinianos... e o meu avô Boutros considerava-se um cidadão otomano." Munido de paciência, o escritor deita abaixo "o muro do ódio" erigido "entre europeus e africanos, entre o ocidente e o Islão, entre judeus e árabes". Pretende dar a volta à história, a qual nos empurra para o confronto. Em 2012, Os Desorientados assinala o seu grande regresso à ficção. Adam, o herói deste romance, regressa ao seu país de origem depois de um quarto de século de exílio (um país que não é nomeado, mas que adivinhamos tratar-se do Líbano). Um dos seus amigos está às portas da morte e deseja revê-lo. Adam regressa à cidade onde estudou e revê todos os que conheceu e amou. Recusa a falência dos ideais da sua juventude e exclama: "Sou eu que estou certo e a História que se engana."

Julien Burri: Podemos ler uma narrativa da sua própria história nos bastidores de Os Desorientados?
Amin Maalouf: Há já muito que queria evocar, de algum modo, a minha juventude. Simultaneamente, não sou um autor que goste de contar a sua vida. Já falei da minha família (em O Rochedo de Tanios, Escalas do Levante ou Origens). No entanto, nunca tinha falado dos meus anos na universidade. Não tinha ainda encontrado o tom certo. Nada que me preocupasse, já que sei que os livros têm que amadurecer. Por fim, nasceu uma história, que não é a minha, mas que é inteiramente feita de histórias minhas.
Julien Burri: Trata-se, no fundo, de um livro pessimista. O nosso mundo seguiu um rumo negativo. É isso que explicava no seu mais recente ensaio, O Desarranjo do Mundo, publicado em 2009.
Amin Maalouf: O mundo com o qual as minhas personagens tinham sonhado não corresponde de todo àquilo em que o mundo se transformou. Daí o título deste livro, Os Desorientados, com a dupla ideia de distanciação e de Oriente perdido. As minhas personagens já não sabem onde ir nem onde se encontram. Sentem-se deslocadas no seu país mas sentem-lhe a falta quando estão ausentes. Sentem que a História seguiu uma direção errada. Eles sonhavam com a harmonia, com menos tensões identitárias. Nada aconteceu como previam. Alguns comprometeram-se enquanto outros preferiram fugir. Outros ainda, radicalizaram-se.
Julien Burri: Mas alguma vez o mundo foi tão harmonioso como afirma? Não houve sempre conflitos identitários?
Amin Maalouf: O mundo nunca foi harmonioso. Mas o que é grave atualmente é esta inadequação entre a evolução tecnológica, científica e económica que conhecemos por um lado e a evolução das mentalidades do outro, que não avançam e têm mesmo, por vezes, tendência a regredir. A coexistência era mais fácil há vinte anos do que atualmente em muitas sociedades por todo o mundo. Muitas cidades onde as pessoas se encontravam foram destruídas e muitos modelos de coexistência falharam. Na Europa, a Dinamarca ou os Países Baixos eram admiráveis pela sua abertura aos outros. Atualmente, os outros são olhados com desconfiança. A culpa é partilhada. Há razões objetivas que o explicam, tensões no mundo árabe que alimentam as teses de rejeição. Mas há também uma tendência para rejeitar o emigrado, tornando-o culpado por tudo. Não é necessário ser angélico, nem pessimista, mas sim reconhecer que a diversidade é, numa sociedade, fonte de riquezas, assim como de tensões.
Julien Burri: Porque escolheu, desta vez, escrever um romance e não um ensaio?
Amin Maalouf: No fundo do meu ser, estou convencido de que o romance contém mais verdade do que a verdade histórica. Por exemplo, foram escritos inúmeros ensaios sobre as campanhas napoleónicas na Rússia. Um só foi e continuará a ser lido e trata-se de um romance: Guerra e Paz. No momento presente, as primaveras árabes merecem o seu Guerra e Paz. Um romance capaz de conter em si, mais do que seria possível num ensaio, a verdade da nossa época.
Julien Burri: Apesar de tudo, Os Desorientados não é um livro sombrio. É igualmente divertido e sensual. Tocante. Assim, Adam, a sua personagem, amou uma mulher sem nunca ter sido capaz de lho dizer.
Amin Maalouf: Faz-me pensar nos meus primeiros amores, mas o que conto no livro não é exatamente o que aconteceu!  Vou-lhe contar tudo, mas tem que ficar entre nós... (sorriso) Quando eu tinha 17 anos, tinha uma vizinha muito bonita que era seis meses mais nova do que eu. Os pais dela não a deixavam sair exceto se eu a acompanhasse. Diziam: "Se o Amin estiver presente, vai tomar conta de ti e nada te vai acontecer" . Quando a convidavam para algum lado, eu ia com ela para os sossegar. Eu gostava dela, mas a situação inibia-me, não podia portar-me como um malandro! Tudo isso durou uns três ou quatro anos. Vinte anos mais tarde, reencontrámo-nos. Os nossos caminhos tinham divergido e ambos éramos casados. Quis-lhe confessar tudo,  mas não conseguia. Por fim, foi ela que me disse: "De cada vez que me acompanhavas, eu pensava: vai-me beijar! Mas porque é que não o fizeste?"  Fui um idiota, é verdade! Na vida, não pude fazer as coisas de outro modo e, então, capturei-me no romance. Em Os Desorientados este episódio tem um desfecho completamente diferente.
Julien Burri: Como viveu a sua entrada na Academia Francesa?
Amin Maalouf: Como uma sorte e como um desafio. Foi simultaneamente um momento muito tocante e também um pouco difícil. Fui eleito a 23 de junho de 2011 e só entrei a 14 de junho de 2012. Os preparativos demoraram. Foi necessário preparar o vestuário, a espada e o discurso em que homenageei Claude Lévi-Strauss, que ocupava a minha cadeira antes de mim. Falar em público nunca será uma coisa banal e que eu possa abordar com serenidade.
Julien Burri: A sua família foi forçada a abandonar diversas casas, em Istambul e, mais tarde, no Cairo. Você mesmo teve que abandonar o Líbano. Desta feita, parece ter enfim encontrado um porto seguro.
Amin Maalouf: Sei, quando entro neste sítio, que aqui permanecerei até ao fim dos meus dias. E que continuarei a conviver com estas pessoas, todas as semanas e até ao fim da minha vida. É uma forma de pertença muito rara e que nunca experienciei antes. Não podemos pedir a demissão da Academia! Quando morrermos, alguém fará o nosso elogio fúnebre e alguém tomará o nosso lugar.
Julien Burri: É um local muito simbólico para a língua francesa, essa “língua da sombra” que preferiu ao árabe quando começou a escrever.
Amin Maalouf: Não estava muito familiarizado com o francês, não o falava na casa dos meus pais. A minha língua social era o árabe. A língua das minhas leituras e dos meus diários era o francês. Tudo mudou quando me exilei. E isso permite-me uma perspetiva particular da língua, visto que nada é inato. Mas vou confidenciar-lhe uma coisa: não me sinto muito à vontade quando falo francês, tenho receio de me enganar! Ao passo que, na escrita, tenho tempo para fazer correções.
Julien Burri: O que significa o seu nome em árabe?
Amin Maalouf: Amin significa fiel. « O guardião do segredo ». Era também o nome do meu avô maternal, que vinha do Egito e pertencia a uma família anglófona e protestante. Casou com uma mulher de Istambul, Virginie, que tinha crescido numa família de tradição francófona e católica. A minha mãe era a filha mais velha do casal. Como tinha uma ligação muito forte ao pai, quis dar o mesmo nome ao seu primeiro filho.

Tradução de Jorge Simões

Sem comentários:

Enviar um comentário