terça-feira, 28 de maio de 2024

Po.e.mas Sol.tos

 Trova do Vento que Passa

 


Pergunto ao vento que passa

notícias do meu país

e o vento cala a desgraça

o vento nada me diz.

 

Pergunto aos rios que levam

tanto sonho à flor das águas

e os rios não me sossegam

levam sonhos deixam mágoas.

 

Levam sonhos deixam mágoas

ai rios do meu país

minha pátria à flor das águas

para onde vais? Ninguém diz.

 

Se o verde trevo desfolhas

pede notícias e diz

ao trevo de quatro folhas

que morro por meu país.

 

Pergunto à gente que passa

por que vai de olhos no chão.

Silêncio - é tudo o que tem

quem vive na servidão.

 

Vi florir os verdes ramos

direitos e ao céu voltados.

E a quem gosta de ter amos

vi sempre os ombros curvados.

 

E o vento não me diz nada

ninguém diz nada de novo.

Vi minha pátria pregada

nos braços em cruz do povo.

 

Vi meu poema na margem

dos rios que vão pró mar

como quem ama a viagem

mas tem sempre de ficar.

 

Vi navios a partir

(Portugal à flor das águas)

vi minha trova florir

(verdes folhas verdes mágoas).

 

Há quem te queira ignorada

e fale pátria em teu nome.

Eu vi-te crucificada

nos braços negros da fome.

 

E o vento não me diz nada

só o silêncio persiste.

Vi minha pátria parada

à beira de um rio triste.

 

Ninguém diz nada de novo

se notícias vou pedindo

nas mãos vazias do povo

vi minha pátria florindo.

 

E a noite cresce por dentro

dos homens do meu país.

Peço notícias ao vento

e o vento nada me diz.

 

Mas há sempre uma candeia

dentro da própria desgraça

há sempre alguém que semeia

canções no vento que passa.

 

Mesmo na noite mais triste

em tempo de servidão

há sempre alguém que resiste

há sempre alguém que diz não.

 

                 Manuel Alegre, in Praça da Canção (1965)


Entre a política e a escrita, a vida de Manuel Alegre tem sido feita de luta. Foi uma das figuras mais emblemáticas da Revolução dos Cravos e de todos os anos prévios de resistência à ditadura. No ano em que se celebra o 50.º aniversário do 25 de Abril, fica a conhecer um pouco melhor este escritor, poeta e político.

QUEM É MANUEL ALEGRE?



Nascido em Águeda a 12 de maio de 1936, Manuel Alegre desde cedo levou uma vida dedicada à política e à cultura — não podemos, aliás, considerá-lo um homem apenas de uma destas áreas, uma vez que sempre viveu na fusão de ambas. Cresceu no seio de uma família de tradição política liberal e de luta pela instituição de uma república democrática, o que terá tido influência ao longo da sua vida.

Manuel Alegre fez o ensino primário em Águeda, mas completou o resto da sua escolaridade em várias escolas e colégios entre Lisboa, Porto e São João da Madeira. O romance Alma, que publicou em 1995, faz referência a vários momentos e lugares destes seus primeiros anos de vida.

Em 1956 entrou na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e, no ano seguinte, tornou-se militante do Partido Comunista. Já nessa altura se dedicava muito à cultura: fundou o jornal Prelúdio ainda no liceu, esteve presente na criação do Círculo de Iniciação Teatral da Academia de Coimbra, representou em várias peças do Teatro de Estudantes da Universidade de Coimbra e publicou poemas em diversas revistas e coletâneas.

 in Manuel Alegre: uma vida entre a escrita e a revolução - Fnac


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