George
Plimpton: De que modo se desenvolve, na sua mente, a conceção de uma short story? O tema ou a trama ou alguma personagem sofrem
alterações à medida que avança?
Hemingway:
Às vezes conhecemos a história. Outras, inventamo-la à medida que avançamos e
não fazemos ideia do que vai acontecer. Tudo muda à medida que avança. É isso
que gera o movimento que gera a história. Por vezes, o movimento é de tal forma
lento que parece não se mover. Mas há sempre mudança e movimento.
George
Plimpton: Também acontece assim com o romance? Ou elabora um plano completo
antes de começar a escrever e segue-o à risca?
Hemingway:
Em Por Quem os Sinos Dobram, isso constituiu
um problema diário. Eu sabia basicamente o que ia acontecer. Mas inventava o
que acontecia todos os dias.
George
Plimpton: As Verdes Colinas de África,
Ter e Não Ter e Na Outra Margem, Entre as Árvores começaram todos como short stories e acabaram como romances?
Em caso afirmativo, serão as formas de tal modo semelhantes que o autor pode
passar de uma a outra sem rever totalmente a sua abordagem?
Hemingway:
Não, não é verdade. As Verdes Colinas de
África não é um romance mas constituiu uma tentativa de escrever um livro
absolutamente real, com o fim de verificar se o estado de um país e os padrões
das ações de um mês poderiam, se apresentados com verdade, competir com
trabalhos ficcionais. Depois de o ter escrito, escrevi duas short stories, As Neves do Kilimanjaro e The
Short Happy Life of Francis Macomber. Tratou-se de histórias que criei com
base no conhecimento e experiência adquiridos no mesmo safari que eu procurara
descrever realisticamente em As Verdes
Colinas. Ter e Não Ter e Na Outra Margem, Entre as Árvores
começaram ambos como short stories.
George
Plimpton: Consegue passar facilmente de um projeto literário a outro ou
continua até terminar o que começou?
Hemingway:
O facto de estar, neste momento, a interromper trabalho sério para responder a
estas perguntas demonstra que sou de tal modo estúpido que deveria ser
severamente castigado. Não se preocupe. Hei de ser.
George
Plimpton: Imagina-se a competir com outros escritores?
Hemingway:
Nunca. Costumava escrever melhor do que alguns escritores já falecidos de cujo
valor estava certo. Já há muito que tenho vindo apenas a procurar escrever o
melhor que posso. Às vezes, tenho sorte e escrevo melhor do que posso.
George
Plimpton: Acha que a força de um escritor diminui à medida que envelhece? Em As
Verdes Colinas de África menciona que os escritores americanos, depois de uma
certa idade, se transformam em avozinhos.
Hemingway:
Não sei. Quem sabe bem o que faz deveria durar tanto quanto a sua cabeça
permitisse. Nesse livro, se vir bem, verificará que estava a falar de literatura
americana com um austríaco desprovido de humor que me estava a obrigar a falar
quando o que queria era fazer outra coisa. Escrevi um relato exato da
conversa. Não pretendi fazer declarações imortais. Uma boa fatia das declarações é suficiente.
George
Plimpton: Não falámos sobre as personagens. As personagens dos seus trabalhos
são retiradas, sem exceção, da vida real?
Hemingway: Claro que não. Algumas nascem da vida real. Na maioria dos casos, invento pessoas a partir do meu
conhecimento, compreensão e experiência das pessoas.
George
Plimpton: Poderia falar um pouco sobre o processo de transformar uma personagem
da vida real numa personagem fictícia?
Hemingway:
Se explicasse como isso é, por vezes, feito, seria como oferecer um livro de
cabeceira aos advogados.
George
Plimpton: Faz a distinção – tal como E. M. Forster – entre personagens “planas”
e personagens “redondas”?
Hemingway:
Se descrevermos alguém, isso é plano, tal como uma fotografia e, no meu ponto
de vista, um falhanço. Se o criarmos a partir daquilo que conhecemos, todas as
dimensões deverão estar presentes.
George
Plimpton: De que personagens suas se recorda com afeto?
Hemingway:
A lista seria longa.
George
Plimpton: Então, gosta de reler os seus próprios livros – sem sentir que
haveria alterações que gostaria de fazer?
Hemingway:
Leio-os, por vezes, para me animar em momentos em que é difícil escrever e
lembro-me de que sempre foi difícil e, ocasionalmente, quase impossível.
George
Plimpton: Como é que arranja nomes para as suas personagens?
Hemingway:
O melhor que posso.
George
Plimpton: Os títulos surgem-lhe enquanto ainda está a escrever a história?
Hemingway:
Não. Faço uma lista de títulos depois de ter terminado a história ou o livro –
às vezes, chego à centena. Depois, começo a eliminá-los. Sucede que os elimine
a todos.
George
Plimpton: E faz isso mesmo com uma história cujo título provém do texto –
“Hills Like White Elephants”, por exemplo?
Hemingway: Sim. O título só
surge depois da escrita. Conheci uma
rapariga em Prunier, onde tinha ido comer ostras antes do almoço. Sabia que
tinha tido um aborto. Aproximei-me e conversámos, não sobre isso, mas enquanto
voltava para casa pensei na história, acabei por não almoçar e passei a tarde a
escrevê-la.
George
Plimpton: Assim, quando não está a escrever, é um observador constante, em
busca de algo que possa utilizar.
Hemingway:
Certamente. Se um escritor deixar de observar, está acabado. Mas não tem que
observar de modo consciente ou de pensar como pode ser útil. Talvez fosse assim
no princípio. Mas, mais tarde, tudo o que vê vai para a grande reserva das
coisas que conhece ou que viu. Se tem alguma importância, procuro sempre
escrever a partir do princípio do icebergue. Sete oitavos estão submersos e não
conseguimos vê-los. Podemos eliminar o que quisermos e o icebergue fica mais
forte. É a parte que não se vê. Se um escritor omitir algo por desconhecimento,
a história tem um buraco.
O Velho e o Mar poderia ter tido mais de mil páginas e todas as
personagens da aldeia e a forma como ganhavam a vida, como tinham nascido, como
tinham sido educados, como tinham tido filhos, etc. Há outros escritores que o
fazem com excelência. Quando escrevemos, estamos limitados pelo que já foi
feito de modo satisfatório. Então, procurei fazer algo de diferente. Para
começar, procurei eliminar tudo o que não fosse necessário para transmitir a
experiência ao leitor, de modo a que, depois da leitura, ela se tornasse uma
parte da sua própria experiência e parecesse ter efetivamente acontecido.
Trata-se de algo muito difícil e deu-me muito trabalho.
Em
todo o caso, tive uma sorte incrível e fui capaz de transmitir inteiramente a
experiência e torná-la inédita. A minha sorte foi que tinha um bom homem e um
bom rapaz e que, ultimamente, os escritores têm-se esquecido de que ainda há
coisas assim. Depois, podemos escrever sobre o oceano, tal como podemos
escrever sobre o homem. Isso foi uma sorte. Vi o espadim copular e sei como é.
Então, deixei isso de fora. Vi um cardume de mais de cinquenta cachalotes nessa
mesma zona do oceano e, certa vez, arpoei um de quase dezoito metros e perdi-o. Então, deixei isso de fora. Deixei de fora todas as histórias que conheço da aldeia piscatória. Mas esse conhecimento é o que forma a parte oculta do icebergue. (continua)
Tradução de Jorge Simões
Tradução de Jorge Simões
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