segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

Po.e.mas Sol.tos

 

Janeiras

 

 

Ó de casa, alta nobreza 

Mandai-nos abrir a porta,

Ponde a toalha na mesa 

Com caldo quente da horta!

 

Tendi, ferrinhos de prata, 

Ao toque desta sanfona!

Trazemos ovos de pata 

Fresquinhos, prà vossa dona.

 

Senhora dona da casa, 

À ilharga do seu Joaquim,

Vermelha como uma brasa 

E alva com um jasmim!

 

Vimos honrar a Jesus

Numas palhinhas deitado:

O candeio está sem luz 

Numa arribana de gado.

 

Mas uma estrela dianteira 

Arde no céu, que regala! 

A palha ficou trigueira,

Os pastorinhos sem fala.

 

Dá-lhe calorzinho a vaca, 

O carvoeiro uma murra,

A velha o que trás na saca,

Seus olhos mansos a burra.

 

Já as janeiras vieram 

Os reis estão a chegar,

Os anos amadureceram:

Estamos para durar!

 

Já lá vem Dom Melchior

Sentado no seu camelo 

Cantar as loas de cor 

Ao cair do caramelo.

 

Ó incenso, mirra e oiro,

Que cheirais e luzis tanto,

Não valeis aquele tesoiro 

Do nosso Menino santo!

 

Abride a porta ao pregrino, 

Que vem de mum longe à neve,

De ver nascer o Menino 

Nas palhinhas do preseve.

 

Acabou-se esta cantiga,

Vamos agora à chacota:

Já enchemos a barroga

Sigamos nossa derrota!

 

Rico vinho, santa broa 

Calça o fraco, veste os nus!

Voltaremos a Lisboa 

Pró ano, querendo Jesus.

 

 

Publicado em Festa Redonda (1950).

Transcrito de Vitorino Nemésio, Obras Completas, vol I – Poesia, INCM, Lisboa, 1989.


Concurso "Conto à Vista"

 OS VENCEDORES


GRITO NA ESCURIDÃO

Eu vivia numa pequena aldeia em Tukura, na Nigéria. Estávamos em 1597 e eu tinha uma vida simples, mas feliz. Todos os dias eram iguais: ia trabalhar para o campo com o meu pai quando o sol nascia e voltava para casa quando o sol se punha. Jantava o que colhíamos, à luz da fogueira, e adormecia ainda a sentir o calor das suas brasas. Éramos um povo isolado, alheios àquilo que se passava no resto do mundo. Até que, num dia que preferia esquecer, fui arrancado à força do meu lar, de tudo o que eu conhecia, e levado para longe. Uns homens estranhos invadiram a aldeia, apontaram-nos armas à cabeça, pilharam as casas, dizimaram famílias e, quem não foi morto de imediato, foi capturado, como se fosse um animal, acorrentado e açoitado.

Quando recuperei os sentidos, estava num barco, encarcerado juntamente com centenas de pessoas. Estava perto de uma abertura e decidi colocar a cabeça de fora, vislumbrar a minha terra a desaparecer no horizonte. Tentei alcançá-la, mas já estava muito longe. Reparei então num homem, de pé, a observar-nos. Perguntei-lhe onde estava, quem eram eles. No entanto, não obtive resposta, apenas chicotadas. Foi aí que a minha esperança começou a esvair-se juntamente com o meu sangue, que jorrava das feridas provocadas pelo chicote.

Passado o que pareceram meses de fome e tortura, com máscaras de metal que nos impediam de falar, chegámos ao nosso destino, um sítio muito diferente de onde eu vim. O ar era cinzento e tinha um cheiro a desespero e morte. As pessoas carregavam um semblante pesado e mórbido.

 Puseram-me numa casa desconhecida. Era enorme e tinha um jardim esplendoroso. Arrastaram-me à força pela porta de entrada, onde vi uma mulher que devia ter por volta de 23 anos. O seu nome era Suarili e disse-me que aquela era uma família abastada e importante – os Smith. O homem da casa chamava-se Richard, a sua esposa era Joanne e tinham dois filhos: Ciel, o mais velho, de 16 anos, e Rosie, a mais nova, de 9 anos. Já havia uns quantos como eu naquela propriedade, cheios de chagas, com marcas de ferro quente no seu corpo e com sinais evidentes de quem não via uma refeição quente há anos. Percebi então a real severidade do meu destino e vi-me no lugar daquelas pessoas. Não tardaria, tornar-me-ia num deles.

Ciel era o único naquela casa que me via como eu realmente era, uma pessoa simples e honesta e não apenas algo que se encontrava sob o seu controlo. Com o passar do tempo, Ciel e eu começámos a ficar mais próximos e parecia que quanto mais próximos ficávamos, mais os Smith me desprezavam e mais eu sofria, com chicotadas, colares de espinhos colocados no meu pescoço, e até me chegaram a pendurar no porão da casa pelos braços, a noite inteira. Numa dessas noites, fui tão violentamente espancado, que desmaiei. Acordei com Ciel a limpar-me as feridas com um pequeno balde de água morna e uns pedaços de pano. Foi aí que ele realmente percebeu o quão horrível era aquilo que a sua família nos fazia. Tentou questionar os pais sobre a situação, mas estes apenas lhe disseram que pessoas como eu eram impuras, com uma cor desagradável aos olhos bons de Deus. Contudo, o meu amigo não via o mesmo que os pais, apenas uma injustiça cometida com pessoas que eram iguais a ele.

Depois de perceber que não conseguiria ir contra a vontade dos pais, decidiu então tentar ajudar-me a escapar. Elaborámos um plano: ele iria abrir-me a porta das traseiras quando estivessem todos a dormir e eu correria, sem olhar para trás, até encontrar alguma forma de sair daquele terrível lugar. Pusemos o plano em prática nessa mesma noite. Quando estávamos prestes a abrir o portão que me levaria à liberdade, ouvimos um grito ensurdecedor vindo da casa.  Vimos uma luz na janela do quarto de Ciel e concluímos que os pais dele se tinham apercebido da sua falta. Não tardou até sermos capturados e separados. Ciel protestou e esperneou, porém eu aceitei o que me iria acontecer. Já tinha cometido demasiados erros e o castigo seria permanente. Encostaram-me contra uma parede e vendaram-me os olhos. Apesar de não conseguir ver nada, sentia o olhar de Ciel sobre mim, conseguia ouvir o seu choro e queixas. Foi nesse momento que percebi que não havia mais nada a fazer, a pouca esperança que me restava desapareceu. Subitamente, ouviu-se um estrondo e eu caí para o chão. A última imagem que passou pela minha mente antes de esta se apagar por completo foi a de Ciel, a sorrir para mim. Apesar de não ter conseguido escapar daquele pesadelo, senti-me grato pelo meu amigo, que realmente tentou ajudar-me. 

Eu, Akin, depois disto, descanso em paz, dececionado com a injusta escravatura do nosso mundo, mas aliviado, por finalmente me ter libertado.


                                     11ºC – Andreia Neves,nº1; Catarina Inácio, nº3; Sara Oliveira, nº 19


Concurso "Conto à Vista"

 Os Vencedores


Até onde o destino nos levar 

     Em tempos que já lá vão, tempos esses mais antigos até que os nossos bisavós, viviam na cidade do Porto dois meninos gémeos, Samuel e Bartolomeu. Viviam com os seus avós numa casinha humilde perto da margem, habituados à pobreza e ao trabalho duro no campo. O Porto é banhado pelo grande Rio Douro, e é nas margens desse rio, à sombra das grandes árvores que lá existem, que os dois meninos costumam fazer grandes planos para o futuro, para uma vida melhor. 

     Numa manhã ensolarada de domingo, Samuel e Bartolomeu encontravam-se a tomar banho no rio, pendurados numa longa corda utilizada para marcar o local a partir do qual já era muito fundo e que provavelmente não se teria pé. Olhavam de maneira sonhadora para um grande barco de mercadorias que iria partir dali a pouco tempo em direção à América. 

- Samuel… podes achar que estou doido… mas e se entrássemos no barco e saíssemos na terra em que as mercadorias fossem descarregadas? – perguntou Bartolomeu com os olhos a brilhar. 

- Mas… e os avós, e a nossa terra? – relembrou Samuel. 

- Eu não quero este tipo de vida. Sem condições, a trabalhar no campo de sol-a-sol... E tenho a certeza que tu também não. E o que é que haveremos de perder? Seremos sempre tu e eu, até onde o destino nos levar. – encorajou Bartolomeu, cheio de confiança. 

-Realmente... não é isto o que eu quero para mim. Isso mesmo… até onde o destino nos levar. – assentiu Samuel lembrando-se das tardes que passara a lavrar o campo. 

     A nado, foram aproximando-se do barco, formando um plano. Ao entrarem, iriam separar-se de maneira a não serem apanhados, combinando que, quando o barco chegasse ao seu destino, iriam encontrar-se lá. Assim fizeram, indo em direções opostas. Samuel escondeu-se atrás de uns grandes barris, enquanto Bartolomeu não encontrava nenhum local para se esconder. Depois de algum tempo, sente alguém a tocar-lhe no ombro, apercebendo-se, depois, que era um dos seguranças do barco. 

 - Contrabandistas nojentos… – disse o segurança agarrando no braço de Bartolomeu. Levou-o para fora do barco e, atravessando as margens do rio, dirigiu-se à corda onde os irmãos tinham fito o promissor plano. Pendurou-o na corda e, sem piedade, tirou do bolso uma faca que espetou no pobre rapaz. Rindo-se, atirou o corpo para a água voltando para o barco. 

     Passado algum tempo, o barco iniciou a sua viagem, parando só no final da tarde. Samuel saiu, esperando pelo irmão, sem saber o que lhe tinha acontecido. Ao escutar a conversa de uma mulher, percebeu que se encontrava no estado de Arkansas. 

      Já o sol estava a pôr-se, e Samuel não via o irmão. Aproximou-se de novo do barco, com a intenção de entrar, até que ouviu umas vozes que lhe chamaram à atenção: 

-Estes contrabandistas!... Já hoje apanhei um miúdo de cabelo moreno. Peguei nele, pendurei-o na corda, e matei-o à facada. Pode ser que assim os familiares do pequeno vejam, espalhem a notícia, e assim os outros contrabandistas aprendam. – disse o segurança. 

     Olhando para o seu cabelo moreno, Samuel sentiu cada um dos seus membros gelarem. Tinham matado o seu querido irmão. Sentou-se de joelhos no chão, chorando pela sua morte, sussurrando “Até onde o destino nos levar”. 

 8.º G – Grupo de alunos: Bárbara Gonçalves (5), Bernardo Azevedo (9), Santiago Ferreira (25) e Sofia Ferreira (26)

Concurso "Conto à Vista"

 OS VENCEDORES

De porquês para chorar…

Exaurido, olhava pela janela e a alma fugia-lhe pelo corpo. Ainda estendeu a mão na tentativa de a apanhar. Não foi a tempo. As paredes maciças e rugosas erguiam-se em seu redor, emparedando-o num espaço diminuto e imundo. A pele, coberta de vergões e outras marcas repugnantes, mal resistia, os pés desnudos agudizavam o frio, ao qual as calças finas e beges de seu tio, três tamanhos acima, e a camisa de poliéster que recebera no seu aniversário não faziam frente. Os tornozelos estavam, agora, praticamente submersos. A água queimava.

Apesar de a noção do tempo esmorecer quando se deseja a morte, pensava “Nunca mais…”.

Refletia sobre tudo, recordava, cismava, chorando por si e por todos. A escuridão propunha isso mesmo. E motivos não lhe faltavam. De porquês para chorar, está o mundo cheio. A guerra e a fome queriam as lágrimas mais amargas, o conformismo e o capitalismo engordavam-nas e o temor das vítimas faziam-nas rolar de forma incontrolável. De quando em vez, o coração desejava palpitar pela bondade humana, chorar de alegria, por assim dizer – de causas para tal também se faz um bocadinho o mundo. As lágrimas tinham nestes momentos um sabor mais adocicado, embora contribuíssem, depois, para a concretização do mesmo fim trágico. As gargalhadas, as memórias do aroma a pão de ló feito pela avó faziam-nas brotar, desta vez acompanhadas de um sorriso. O recordar dos reencontros com o cão após uma prolongada viagem açucaravam-nas. As chuvas de verão, que andavam de mãos dadas com bonitos e etéreos arco--íris, e a ânsia do Natal, que chegaria em breve, faziam-nas cair uma a uma, humedecendo-lhe o rosto de satisfação e nostalgia.

E finalmente, a saudade. Chorar de saudade não cansava, dava cor às lágrimas, pintava-as, tinha esse dom. Já a saudade que só se apercebia da ausência fazia chorar incolor e insípido. Mas a saudade do acordar em casa, com o sol a fazer-se de convidado por entre as cortinas do quarto, numa manhã de domingo, ou a saudade de quando escutou aquela música pela primeira vez, ancorada às opiniões incisivas da irmã, essas, essas sim, coloriam as lágrimas de vivos tons. Juntavam-se estas às restantes, encharcando o seu franzino físico.

Era com olhos sempre fitos no mundo, no seu e no de outros, sempre chorando, que aguardava impaciente, atormentado até, que a maré do seu pranto subisse suficientemente para que se afogasse. Que o seu choro arrancasse o ar que ainda corria dentro de si e acabasse com aquela penosa existência.

Seguia soluçando, ora lacrimejava ora desatava num pranto que envergonharia as tempestades oceânicas. Todavia esquecera-se da janela. A redonda e gradeada ventana por onde mirava, com os olhos em água e onde apoiava o seu braço, ornamentado por uma magnífica bracelete prateada que refletia a lua.

A brecha iria, eventualmente, quase decerto, impedir o afogamento; desta a água verteria. Pela janela escorreria a morte e com uma brisa ou com um par de raios de sol surgiria a esperança, como uma lufada de ar fresco, um alívio, uma vontade de vida.

 

Salomé Fernandes, nº20, 12ºE

Concurso "Conto à Vista"

 


CONCURSO CONTO À VISTA – ANO 2024-1025       

 

Resultados

 

                                 ENSINO BÁSICO

Nome

Ano/ Turma

Pontuação Final

 

Bruno Dias/ Julieta Matos/ Maria Padrão/ Mariana Rodrigues

 

8º G - nºs 10,17, 19 e 23

 

16

 

Gustavo Monteiro/ Mariana Pereira7 Rui Teixeira

8º A - nºs 10,15 e 20

 

17

Bruna Macedo/ Mª Teresa Castro/ Raissa Brito

8º A - nºs 1, 14 e 18

18

Bárbara Gonçalves/ Bernardo Azevedo/ Santiago Ferreira/ Sofia Ferreira

8º G- nºs 5,9,25 e 26

 

21

 

                                ENSINO SECUNDÁRIO

Nome

Ano/Turma

Pontuação Final

Rodrigo Silva

 

 

12º B - nº 17

23

Andreia Neves/Catarina Inácio/ Sara Oliveira

11º C - nºs 1, 3 e 19

25

Mariana Pinheiro

 

11ºB - nº 15

19

Salomé Fernandes

 

12º E - nº 20

25

 

 

Nota: O texto apresentado pelas alunas Inês Fonseca e Janine Pinheiro, da turma A do 9º ano, foi excluído por não cumprir o Regulamento.