terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Encontro com Hemingway - 3


George Plimpton: Costuma ler manuscritos?
Hemingway: A não ser que conheçamos pessoalmente o autor, isso pode arranjar-nos problemas. Há alguns anos, fui processado por plágio por um homem que garantia que eu tinha ido buscar o Por Quem os Sinos Dobram a um roteiro de cinema por publicar que ele tinha escrito. Ele tinha lido o roteiro numa festa qualquer, em Hollywood. Segundo afirmou, eu estava lá, pelo menos havia um tipo chamado “Ernie” a ouvir, e isso bastou-lhe para me processar em um milhão de dólares. Na mesma altura, processou os produtores dos filmes Os Sete Cavaleiros da Vitória e Cisco Kid com a argumentação de que também tinham sido roubados do mesmo roteiro. Fomos a tribunal e, naturalmente, ganhámos o caso. Como se veio a verificar, o homem estava falido.
George Plimpton: Regressemos à lista e pensemos num dos pintores – Jerónimo Bosch, por exemplo. A qualidade simbólica de pesadelo do seu trabalho parece muito distante do que escreve.
Hemingway: Também tenho pesadelos e conheço os pesadelos dos outros. Mas não há necessidade de os colocar no papel. Tudo o que conhecermos e pudermos omitir na escrita, surge como uma qualidade. Quando um escritor omite coisas que desconhece, surgem como buracos na escrita.
George Plimpton: Isso significa que um bom conhecimento dos trabalhos dos autores da sua lista ajudam a encher o “poço” de que falou há pouco? Ou constituíram uma ajuda consciente no desenvolvimento das técnicas de escrita?
Hemingway: Foram uma parte do aprender a ver, a escutar, a pensar, a sentir e a não sentir, e a escrever. O poço é onde está a inspiração. Ninguém sabe de que é feita, muito menos nós próprios. O que se sabe é que se tem ou que se tem que esperar que regresse.
George Plimpton: Aceita a existência de simbolismo nos seus romances?
Hemingway: Suponho que haja símbolos, já que os críticos não param de os encontrar. Se não se importar, desagrada-me falar sobre eles e ser interrogado acerca deles. É suficientemente difícil escrever livros e histórias sem nos pedirem também para os explicar. Além disso, rouba trabalho aos explicadores. Se cinco ou seis ou mais bons explicadores conseguem continuar, por que hei de interferir? Leia o que escrevo pelo prazer da leitura. Tudo o que encontrar para além disso terá a ver com o que tiver trazido para a leitura.
George Plimpton: Mais uma pergunta na mesma linha: um dos editores pensa ter encontrado, em O Sol Nasce Sempre (Fiesta), um paralelismo entre o público na arena de touros e as personagens do próprio romance. Ele lembra que a primeira frase do livro nos diz que Robert Cohn é um pugilista; mais tarde, durante a desencajonada, descreve-se o touro como usando os cornos como um pugilista, aplicando ganchos e golpes. E quando o touro é atraído e pacificado com a presença de um novilho castrado, Robert Cohn submete-se a Jake que está castrado tal como o novilho. Ele vê Mike como o picador, engodando Cohn repetidamente. A tese do editor continua, mas ele pergunta se era sua intenção  ordenar o romance com a estrutura trágica do ritual da tourada.
Hemingway: Parece que o editor foi um pouco disparatado. Quem disse que Jake “estava castrado tal como o novilho”? A verdade é que tinha sofrido um ferimento muito diferente e que os seus testículos se encontravam intactos e sem problemas. Portanto, ele era capaz de todos os sentimentos normais de um homem, mas incapaz de os consumar. A distinção importante é que o seu ferimento era físico e não psicológico e que não estava castrado.
George Plimpton: Estas perguntas sobre a capacidade artística são aborrecidas.
Hemingway: Uma pergunta sensata não é nem um prazer nem um aborrecimento. Ainda assim, acho que é muito mau para um escritor falar sobre a forma como escreve. Ele escreve para ser lido e não deveria haver necessidade de explicações ou dissertações. De certeza que há muito mais do que pode ser abarcado na primeira leitura, mas não cabe ao escritor explicá-lo ou fazer visitas guiadas às regiões mais difíceis do seu trabalho.
George Plimpton: A propósito, lembro-me de ter avisado que é perigoso para um escritor falar sobre um trabalho em decurso porque, digamos, pode dá-lo a conhecer antes do tempo. Porque é que tem que ser assim? Só pergunto por haver tantos escritores – Twain, Wilde, Thurber, Steffens, por exemplo – que parecem ter polido o seu material depois de o testarem em ouvintes.
Hemingway: Não posso crer que Twain alguma vez tenha “testado” Huckleberry Finn em ouvintes. Se o fez, o mais provável é que o tenham levado a cortar coisas boas e a acrescentar partes más. As pessoas que conheciam Wilde diziam que era um melhor conversador do que escritor. Steffen falava melhor do que escrevia. Grande parte da sua escrita e do que dizia podiam ser difíceis de acreditar e ele alterou, ao que sei, muitas histórias à medida que envelhecia. Se Thurber conseguir falar tão bem como escreve, deve ser um dos melhores e menos entediantes conversadores do mundo. O homem que conheço que melhor fala sobre a sua profissão e que possui a língua mais agradável e afiada é Juan Belmonte, o matador.
George Plimpton: É capaz de nos dizer quanto esforço calculado esteve envolvido no desenvolvimento do seu estilo distintitivo?
Hemingway: Essa é uma pergunta longa e cansativa e se passar um par de dias a responder-lhe, será de um modo tão autoconsciente que tornará impossível escrever. Posso dizer que aquilo a que os amadores chamam estilo costuma ser a falta de jeito inevitável quando se começa a tentar fazer algo que ainda não foi feito. Quase nenhum novo clássico se assemelha aos clássicos anteriores. No início, as pessoas só conseguem ver a falta de jeito. Nessa altura, não é uma coisa muito percetível. Quando a falta de jeito se torna muito nítida as pessoas pensam que é um estilo e muitas começam a copiá-lo. É lamentável.
George Plimpton: Certa vez, escreveu-me dizendo que as meras circunstâncias em que vários trabalhos de ficção eram escritos podiam ser instrutivas. Isso é aplicável a Os Assassinos – disse-me que tinha escrito essa short story, Ten Indians e Today is Friday num só dia – e, quem sabe, ao seu primeiro romance, O Sol Nasce Sempre?
Hemingway: Vejamos… Comecei O Sol Nasce Sempre em Valencia, no meu aniversário , a 21 de julho. Eu e a minha mulher, Hadley, tínhamos ido mais cedo a Valencia para tentarmos arranjar bilhetes para a feria, que começou a vinte e quatro de julho. Toda a gente da minha idade tinha escrito um romance e eu ainda estava com dificuldades em escrever um parágrafo. Assim, comecei o livro no dia dos meus anos, escrevi durante o tempo que durou a feria, na cama, de manhã, e continuei em Madrid. Em Madrid não havia feria. Mas tínhamos um quarto com uma mesa e escrevi luxuosamente na mesa e, na esquina mais próxima, numa cervejaria da Pasaje Alvarez onde estava mais fresco. Por fim, acabou por ficar demasiado calor para escrever e fomos para Hendaia. Havia lá um hotelzinho barato junto à esplêndida e enorme praia e trabalhei muito bem lá. De seguida, fui para Paris e terminei o primeiro rascunho no apartamento por cima da serralharia, no número 113 de Notre-Dame-des-Champs, seis semanas depois de ter começado. Mostrei-o a Nathan Asch, o escritor, que nessa altura tinha um sotaque muito acentuado e que disse “Hem, que é ke keresh dicer kom teres escrito um livro? Um romanss, hmm. Hem, eshtás a eskrever um lifro de fiagens”. Não me senti muito desencorajado e reescrevi tudo, tendo mantido a viagem (a parte sobre  a viagem de pesca e Pamplona) em Schruns, no Voralberg, no Hotel Taube.
As histórias que diz que menciona, escrevi-as num dia, em Madrid, a 16 de maio, quando as touradas de San Isidro foram canceladas. Em primeiro lugar, escrevi Os Assassinos, que já tinha tentado escrever sem sucesso. Depois, a seguir ao almoço, enfiei-me na cama para me aquecer e escrevi Today is Friday. Estava tão cheio de inspiração que pensei que talvez estivesse a enlouquecer e ainda tinha mais uma seis histórias para escrever. Então, vesti-me e fui ao Fornos, o velho café dos toureiros, tomei café, voltei e escrevi Ten Indians. Senti-me muito triste, bebi um pouco de brandy e adormeci. Tinha-me esquecido de comer e um dos empregados trouxe-me um pouco de bacalao e um pequeno bife com batatas fritas e uma garrafa de Valdepeñas.
A dona da pensão estava permanentemente preocupada por eu poder não comer o suficiente e tinha enviado o empregado. Recordo-me de estar sentado na cama a comer e a beber o Valdepeñas. O empregado disse que ia trazer outra garrafa e que a Señora queria saber se eu ia passar a noite a escrever. Respondi-lhe que não e que ia descansar um pouco. “Porque é que não tenta escrever só mais uma?”, perguntou-me o empregado. “Só tenho que escrever uma”, expliquei. “Qual quê!”, respondeu. “Podia perfeitamente escrever seis”. “Tento amanhã”, disse eu. “Tente hoje”, insistiu. “Porque é que acha que a velha mandou a comida?”
“Estou cansado”, expliquei. “Disparate!”, disse ele (o termo não foi disparate). “Cansado depois de três historiazinhas. Traduza-me uma delas”.
"Deixe-me em paz", pedi. "Como é que vou conseguir escrever se não me deixar em paz?". Então, sentei-me na cama e pensei que devia ser um escritor excelente se a primeira história fosse tão boa como esperava que fosse. (continua)

Tradução de Jorge Simões

sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Quadras de S. Martinho dos nossos alunos

Se bem que o S. Martinho já tenha sido (e mesmo se o próximo ainda está para chegar), vamos hoje divulgar as interessantes quadras que, a propósito, alguns dos nossos alunos se empenharam em criar. A todos, os nossos parabéns e votos de que a inspiração não se fique por aqui.


Meu S. Martinho, meu santo bondoso,
Espero que me tornes mais estudioso!
Mas isso também depende de mim
Nem que plante um castanheiro no jardim

Bernardo Silva, nº 7, 9º B

Quando se comem castanhas
Celebra-se o S. Martinho
Neste dia sem manhas
Também se bebe bom vinho

Pedro Lima, nº 21, 9º C

Neste dia temos estado
Todos juntos a celebrar
O bom ato deste soldado
Que fez Jesus abrigar

Miguel Peixe, nº 20, 9º C

Tem camisa e um casaco
Com remendo e sem buraco,
Quando no fogo se mete...
... é remate CR7!

Marta Silva, nº 18, 9º C


É neste dia de S. Martinho
Que volta a vir o quentinho
Comemos castanhas assadas
E damos muitas gargalhadas

Bruna, nº 5, 9º G
Mariana Vieira, nº 17, 9º G

Neste dia tão incrível
Com castanhas nos deliciamos
A alegria é visível
Nos olhos de quem amamos

Alexandra Sá Pinto, nº 1, 9º G

Castanhas quentinhas
Acabadas de assar
Vou comê-las todinhas
Até me fartar.

Ana Catarina Couto, nº 3, 9º G
Bruno Correia, nº 6, 9º G
Samuel Freitas, nº 21, 9º G

E não é que, com tanta poesia e tanto S. Martinho, nos surge um desejo súbito e incontrolável de partilhar castanhas assadas à lareira?